Ensaios de Geografia
Essays of Geography | POSGEO-UFF
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
MOREIRA, Bárbara Fernandes. Da precarização e branqueamento do território à invisibilização dos conflitos, das existências e resistências
vivenciadas pelas comunidades apanhadoras de flores sempre-vivas em Minas Gerais. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 12, 25, e122513,
2025.
Submissão em: 20/12/2024. Aceito em: 04/05/2025.
ISSN: 2316-8544
Este trabalho está licenciado com uma licença Creative Commons
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SEÇÃO ARTIGOS
Da precarização e branqueamento do território à invisibilização dos conflitos:
das existências e resistências vivenciadas pelas comunidades apanhadoras de flores
sempre-vivas em Minas Gerais
From the precariousness and whitening of the territory to the invisibilization of
conflicts:
existences and resistance experienced by the apanhadoras de flores sempre-vivas
communities in Minas Gerais
De la precariedad y el blanqueamiento del territorio a la invisibilización de los
conflictos:
existencias y resistencias vividas por las comunidades apanhadoras de flores sempre-
vivas en Minas Gerais
DOI: https://doi.org/10.22409/eg.v12i25.65840
Bárbara Fernandes Moreira
1
Universidade Federal Fluminense (UFF)
Rio de Janeiro, Brasil
e-mail: barbara.fm.5@hotmail.com
Resumo
O presente artigo tem por objetivo compreender em que medida os conflitos vivenciados pelas comunidades
apanhadoras de flores sempre-vivas, que se encontram na Serra do Espinhaço Meridional, nas regiões do Alto
Vale do Jequitinhonha e Norte do estado de Minas Gerais, podem ser interpretados pelos matizes da precarização
e branqueamento do território, ao passo que são impedidas de realizarem suas atividades laborais e extrativistas,
mediante o discurso preservacionista com a instituição de Unidades de Conservação de proteção integral. Para
consubstanciar o debate ora empreendido, evocam-se os conceitos de território, territorialidade,
desterritorialização, colonialidade do poder, precarização e branqueamento do território, conectando-os ao debate
sobre terras tradicionalmente ocupadas, suas imbricações com as políticas ambientais e as dinâmicas, experiências,
existências, resistências e conflitos vivenciados pelas comunidades apanhadoras de flores sempre-vivas, da região
do Espinhaço Meridional, nos municípios de Diamantina e Presidente Kubitschek em Minas Gerais, primando por
um diálogo constante entre teoria e empiria. Neste sentido, apresenta-se o contexto, as experiências, existências e
resistências das comunidades apanhadoras de flores sempre-vivas; elucidam-se as contradições das políticas
ambientais enquanto um instrumento de desterritorialização de comunidades tradicionais; e, enfim, discutimos
como essas políticas reverberam na precarização e branqueamento do território das comunidades apanhadoras de
flores sempre-vivas.
Palavras-chave
Desterritorialização; Branqueamento do território; Políticas ambientais; Territórios tradicionais;
Apanhadoras(es) de flores sempre-vivas.
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Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense (UFF).
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AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
MOREIRA, Bárbara Fernandes. Da precarização e branqueamento do território à invisibilização dos conflitos, das existências e resistências
vivenciadas pelas comunidades apanhadoras de flores sempre-vivas em Minas Gerais. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 12, nº 25, e122513,
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Abstract
This article aims to understand to what extent the conflicts experienced by the apanhadoras de flores sempre-vivas
communities, located in the Serra do Espinhaço Meridional, in the regions of the Alto Vale do Jequitinhonha and
Northern Minas Gerais, can be interpreted through the lenses of territorial precarization and whitening, as they are
prevented from carrying out their labor and extractivist activities under the preservationist discourse associated
with the establishment of integral protection conservation units. To substantiate the ongoing debate, we draw on
the concepts of territory, territoriality, deterritorialization, coloniality of power, precarization, and whitening of
territory, connecting them to the discussion on traditionally occupied lands, their interrelations with environmental
policies, and the dynamics, experiences, existences, resistances, and conflicts faced by the apanhadoras de flores
sempre-vivas communities in the Espinhaço Meridional region, specifically in the municipalities of Diamantina
and Presidente Kubitschek in Minas Gerais. This analysis emphasizes a continuous dialogue between theory and
empirical evidence. In this sense, we present the context, experiences, existences, and resistances of the
apanhadoras de flores sempre-vivas communities; we clarify the contradictions of environmental policies as a tool
for the deterritorialization of traditional communities; and finally, we discuss how these policies resonate in the
precarization and whitening of the territories of the apanhadoras de flores sempre-vivas communities.
Keywords
Deterritorialization; Whitening of territory; Environmental policies; Traditional territories; Apanhadores de
flores sempre-vivas.
Resumen
El objetivo de este artículo es comprender en qué medida los conflictos que viven las comunidades apanhadoras
de flores sempre-vivas, que se encuentran en la Serra do Espinhaço Meridional, en las regiones del Alto Vale do
Jequitinhonha y Norte del estado de Minas Gerais, pueden ser interpretados en matices de precarización y
blanqueamiento del territorio, al ser impedidos de realizar sus actividades laborales y extractivas por el discurso
preservacionista con el establecimiento de unidades de conservación de protección integral. Para fundamentar este
debate, son evocados los conceptos de territorio, territorialidad, desterritorialización, colonialidad del poder,
precariedad y blanqueamiento del territorio, conectándolos al debate sobre las tierras tradicionalmente ocupadas,
sus imbricaciones con las políticas y dinámicas ambientales, experiencias, existencias, resistencias y conflictos
vividos por las comunidades de apanhadoras de flores sempre-vivas de la región de Espinhaço Meridional, en los
municipios de Diamantina y Presidente Kubitschek, en Minas Gerais, centrándose en un diálogo constante entre
teoría y empiria. En este sentido, presentanse el contexto, las experiencias, la existencia y la resistencia de las
comunidades de apanhadoras de flores sempre-vivas; se dilucidan las contradicciones de las políticas ambientales
como instrumento de desterritorialización de las comunidades tradicionales; y, finalmente, se discuten cómo estas
políticas reverberan en la precariedad y el blanqueamiento del territorio de las comunidades de apanhadoras de
flores sempre-vivas.
Palabras clave
Desterritorialización; Blanqueamento del territorio; Políticas ambientales; Territorios tradicionales; Apanhadores
de flores sempre-vivas.
Introdução
As reflexões apresentadas ao longo deste artigo foram construídas com o objetivo de
compreender como os conflitos vivenciados pelas comunidades apanhadoras de flores sempre-
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vivas, que se encontram na Serra do Espinhaço Meridional, nas regiões do Alto Vale do
Jequitinhonha e Norte do estado de Minas Gerais, podem ser interpretados pelos matizes da
precarização e branqueamento do território, ao passo que são impedidas de realizarem suas
atividades laborais e extrativistas mediante o discurso preservacionista com a instituição de
Unidades de Conservação de proteção integral.
As inquietações que substanciam este trabalho se iniciaram ainda no período de
graduação, quando participei como bolsista de extensão acadêmica do Laboratório de Extensão
Kizomba Namata, do Departamento de Geociências da Universidade Federal de Juiz de Fora
(UFJF), entre os anos de 2014 e 2019. Neste período, atuei com comunidades quilombolas da
mesorregião da Zona da Mata de Minas Gerais. À época, entre muitas experiências, vivenciei
também alguns trabalhos de campo no município de Diamantina (MG), ocasião em que conheci
comunidades quilombolas e apanhadoras de flores sempre-vivas e pude ouvir suas histórias e
começar a aprender sobre suas vidas, suas formas de trabalho, suas lutas por território e sua
invisibilização dentro da cidade que se erigiu sobre mão de obra escravizada e que recorre
ao seu passado e à sua memória para gerar e fazer circular o capital por meio do turismo, que é
uma de suas principais atividades econômicas atualmente.
As comunidades apanhadoras de flores sempre-vivas são reconhecidas e integradas ao
Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais, certificadas pela Comissão
Estadual de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Minas
Gerais (Costa Filho, 2021, p. 66-67) e, séculos, mantêm-se com a “panha”
2
e comércio de
flores, bem como do artesanato produzido com elas. Seu principal mercado interno se
estabeleceu em São Paulo, mas seus produtos são também exportados para a Europa, a Ásia e
os Estados Unidos (Monteiro, 2021). Entretanto, de acordo com uma liderança política e
comunitária, esses mercados foram estabelecidos por meio de atravessadores que compram e
revendem as flores in natura. Por outro lado, além da comercialização por meio de
atravessadores, algumas apanhadoras(es) realizam suas vendas também em Diamantina e
região, em espaços como a Praça do Mercado Municipal, popularmente conhecido como
2
Refere-se à coleta de flores. O termo “panha” é um termo usual das apanhadoras para se referirem ao ato de
apanhar/ colher/ coletar as flores.
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“Mercado Velho” de Diamantina
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muito visitado, especialmente, por turistas.
Em uma de minhas visitas, observei que os únicos expositores e comerciantes que não
tinham espaço dentro daquele Mercado e que, por isso, vendiam pelas calçadas , eram
as(os) apanhadoras(es) de flores. No interior do Mercado se encontravam comerciantes de todo
tipo de alimentos, bebidas, especiarias e pedrarias, muitos vindos de outras cidades da região.
Figura 1 Artesanatos e flores sempre-vivas expostas na Praça do Mercado Velho de
Diamantina/MG.
Fonte: Arquivo Pessoal (2018).
Conquanto, as dinâmicas de vida das comunidades apanhadoras de flores sempre-vivas
se deem, essencialmente, no campo levando em conta que sua principal luta é contra a
instituição de parques naturais configurados como Unidades de Conservação de proteção
integral e, portanto, contra o próprio Estado visa-se compreender em que medida as
condições e proibições impostas às(aos) apanhadoras(es) se caracterizam como precarização e
3
“O local onde hoje se encontra o Mercado Municipal, atual praça Barão de Guaicuí, pertenceu originalmente ao
tenente Joaquim Cassimiro Lages, que, em 1835, ali construiu um prédio de moradia e comércio e um rancho de
tropeiros ou “intendência”, nome dado aos locais destinados ao descarregamento e comercialização de mercadorias
vindas de outros lugares, cujo comércio foi desarticulado por volta de 1884. Coube à Câmara Municipal de
Diamantina, através de manifestação de apoio popular, a iniciativa da construção de um mercado que centralizasse
a distribuição de mercadorias, de modo a evitar o monopólio de algumas “intendências” da cidade. Desta forma,
em atendimento ao pedido feito em 1889, a municipalidade adquiriu dos herdeiros do tenente Lages o prédio e o
rancho, iniciando a construção do atual Mercado Municipal”. IPATRIMÔNIO. Diamantina Mercado
Municipal. S/d. Disponível em: https://www.ipatrimonio.org/diamantina-mercado-municipal/. Acesso em: 13 jun.
2024.
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branqueamento de seu território. Isto porque, a seguir, será demonstrado que o território e,
não obstante, as territorialidades conformadas por essas comunidades , mais do que um meio
de vida e subsistência, são sua razão de ser.
Além das experiências de campo, neste artigo evocam-se os conceitos de território,
territorialidade, desterritorialização, colonialidade do poder, precarização e branqueamento do
território, conectando-os ao debate sobre terras tradicionalmente ocupadas, suas imbricações
com as políticas ambientais e as dinâmicas, experiências, existências, resistências e conflitos
vivenciados por essas comunidades, primando por um diálogo constante entre teoria e empiria
por reconhecermos a importância dos trabalhos de campo para a análise dos territórios e para a
investigação geográfica, compreendendo a observação participante como fonte mais abrangente
para o conhecimento sobre uma determinada localidade, suas dinâmicas e cultura (Carneiro;
Itaborahy; Gabriel, 2013, p. 81). Como aprendido com Paulo Freire (1985), o ato de pesquisar
se consolida em uma constante troca de saberes em que pesquisador e pesquisado estão, a todo
tempo, educando e sendo educados.
Isto posto, neste texto recorrer-se às revisões bibliográficas sobre os conceitos ora
articulados; foi consultada a obra Vida e Luta das Comunidades Apanhadoras de Flores
Sempre-Vivas, organizada por um conjunto de professores(as) e estudantes da Universidade
Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), para uma melhor compreensão do
cenário abordado; foram empreendidos diálogos com uma liderança da Comissão em Defesa
dos Direitos das Comunidades Extrativistas Apanhadoras de Flores Sempre-Vivas (Codecex),
tanto para propor a realização desta pesquisa como para alinhar os nossos objetivos com as
demandas, necessidades e expectativas dos grupos, além de realizar perguntas-chave para
compreender as condições em que vivem essas comunidades.
Este artigo está organizado em três tópicos, além da introdução e considerações finais,
apresenta, em primeiro lugar, o contexto, as experiências, existências e resistências das
comunidades apanhadoras de flores sempre-vivas; debate, na sequência, as contradições das
políticas ambientais enquanto um instrumento de desterritorialização de comunidades
tradicionais; por fim, discute-se como essas políticas reverberam na precarização e
branqueamento do território das comunidades apanhadoras de flores sempre-vivas.
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O território como razão de ser: as existências e resistências das comunidades apanhadoras
de flores-sempre vivas
As comunidades apanhadoras de flores sempre-vivas são configuradas por camponeses,
quilombolas, caboclos, lavradores de terras e descendentes de garimpeiros (Mapa De Conflitos,
s/d.) que se auto identificam como “Apanhadoras(es) de Flores Sempre-Vivas” que, em
muitos casos, apresentam um reconhecimento identitário compartilhado
4
(Costa Filho, 2021),
e estão distribuídas em, pelo menos, quinze municípios do Espinhaço Meridional na porção
central de Minas Gerais, abrangendo as mesorregiões do Vale do Jequitinhonha, do Centro e
do Norte do estado (Monteiro, 2021), conforme representado na figura a seguir:
Figura 2 Área com presença de comunidades apanhadoras de flores sempre-vivas
Fonte: Monteiro (2019).
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Muitos grupos se identificam tanto como quilombolas quanto apanhadores de flores.
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Sua (auto)denominação se deu em face de viverem e se organizarem coletivamente em
torno da colheita (“panha) de flores que são popularmente conhecidas como “sempre-vivas”
por serem plantas que, mesmo após serem colhidas e secas, mantêm suas cores (ESCOLA DE
BOTÂNICA, 2023). São flores utilizadas em decorações e artesanatos mundo afora, mas que
no Brasil são encontradas, exclusivamente, no cerrado.
Figura 3 Artesanatos produzidos com flores sempre-vivas
Fonte: Arquivo Pessoal (2018).
É preciso lembrar que ao passo que as regiões do Vale do Jequitinhonha e do Norte de
Minas Gerais, se caracterizam pelo clima semiárido, sua vegetação se distribui no encontro dos
biomas do Cerrado e da Mata Atlântica, caracterizada por campos rupestres nas áreas de
altitudes mais elevadas. Na lida com as flores, conhecimentos ancestrais, tradicionais e
científicos se misturam em uma paisagem antropogênica, em que as comunidades apanhadoras
de flores se afirmam como guardiãs de “uma memória biocultural” (Dayrell, 2021).
Isto porque são comunidades de ascendência negra, ameríndia e portuguesa (imigrantes
portugueses chegaram à região no fim do século XVII) (Costa Filho, 2021), que perfazem seus
modos de ser e estar no mundo com territorialidades específicas, em regime de transumância,
nos períodos da seca, para a panha das flores. O que quer dizer que, na época de colheita das
flores sempre-vivas (que se concentra entre os meses de abril e outubro), as(os) apanhadoras de
flores deixam suas moradias fixas e partem para os campos, para a “serra” como se costuma
dizer, e por algumas semanas ou meses se abrigam em ranchos (construções feitas com
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matéria-prima local, como madeira e folhas de palmáceas) ou em lapas (que são grutas
encontradas nas formações rochosas), utilizando colchões feitos com capim para dormir
(Monteiro, 2021, p. 28).
Monteiro (2021) relata que, ainda que as flores sejam a principal fonte de renda para as
comunidades, sua lógica de reprodução é integrada por práticas de cultivo em pequenos terrenos
semeados em meio à vegetação nativa, além da criação animal e coleta vegetal para diversas
finalidades. Exercem, pois, suas práticas em terras ancestrais, de uso coletivo, com concepções
socioculturais, econômicas e políticas singulares.
Neste cenário, mais de trinta comunidades apanhadoras de flores se distribuem entre o
que denominam como “sertão”, “serra” e “beiras do Jequitinhonha”, onde relevante presença
de quilombos e onde foi identificada a maior incidência de mineração de diamantes, em Minas
Gerais, desde o século XVIII (Monteiro, 2021, p. 21). Ainda que haja variações dentre os grupos
que vivem entre sertão, serra e beiras do Jequitinhonha, entre quilombolas ou não, essas
comunidades grafam suas territorializações tangenciadas a fluxos e fronteiras. Configuram suas
lutas coletivamente pela permanência das terras ancestrais e pela garantia do direito de uso da
biodiversidade, conforme seus costumes.
Ademais, Monteiro (2021) revela que, se por um lado a umidade dos ambientes, os
aspectos socioculturais como etnicidades e religiosidades, os contextos de organização do
trabalho familiar e a conjuntura fundiária, são fatores que distinguem as comunidades que se
encontram no sertão, na serra ou nas beiras do Jequitinhonha; por outro lado, suas semelhanças
dizem respeito às formas de cultivo, à construção das casas feitas em adobe com instalações
para beneficiamento e armazenamento de produtos agrícolas nos quintais, pequenos pastos
próximos às casas, a pluralidade de uso dos campos nativos de acordo com a época do ano -
hora para coleta das flores, hora para pastoreio animal, a localização das casas nas áreas mais
baixas em volta dos campos rupestres do cerrado. ainda aquelas comunidades que se
estabeleceram nas áreas mais altas, em que as casas são fixadas em meio à vegetação nativa.
[...]configuram-se como comunidades dispersas, com vínculos territoriais com a Serra
e com estreitas relações de parentesco, compadrio e modos de vida, sobretudo, quanto
às práticas agrícolas e ao uso sustentável dos recursos naturais dos quais se utilizam
tradicionalmente, além de princípios de sociabilidade, organização social e política
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similares, com pequenas variações em suas formas culturais (Costa Filho, 2021. p.
63).
De forma geral, boa parte das comunidades contam com igrejas (católicas e/ou
protestantes), escolas - que muitas vezes são utilizadas para atendimento médico, centros
comunitários e algumas estruturas de lazer. Destaca-se que, ainda de acordo com Monteiro
(2021), até o ano de 2018 não havia energia elétrica na comunidade quilombola Mata dos
Crioulos e que, mesmo com a instalação de antenas de telefonia a partir do referido ano, a
comunicação permanece dificultada.
Filho (2021) observa que as marcas da realidade regional podem ser entendidas pela
interdependência entre as comunidades e sua relação com a serra, que permeiam relações
consanguíneas e de afinidade, incorporando redes de sociabilidade e trocas. Neste panorama
que é reconhecido por Fernanda Testa Monteiro (2021) como agroambientes, por envolverem
ambientes naturais conjugados com conhecimentos tradicionais, constantemente modificados,
formatando uma economia familiar em que se implementa variados usos agrícolas; diferentes
espécies são manejadas em diferentes altitudes da serra.
Das roças diversificadas, à roça de toco (ou coivara), da adoção do pousio da terra para
reposição natural de nutrientes do solo, dos quintais agroflorestais com a criação de animais de
pequeno porte, e, enfim, da coleta e manejo da flora, especialmente, das flores sempre-vivas,
pela peculiaridade de suas práticas, seis comunidades apanhadoras de flores foram reconhecidas
como responsáveis por um “Sistema Importante do Patrimônio Agrícola Mundial” pela
Organização das Nações Unidas para Alimentação e a Agricultura (FAO/ONU), em 2020.
Segundo Monteiro, “[t]al lógica socioterritorial, foi considerada um modelo de vida particular
e um legado agrícola que se assenta em uma paisagem manejada de maneira singular
constituindo-se como uma engenhosidade humana (Monteiro, 2021, p. 40).
Esse reconhecimento, indiscutivelmente, traz uma expectativa de avanço para as lutas
travadas pelas(os) apanhadoras(es) de flores, sobretudo, no que tange à sua luta por seu
território, tendo em vista que, conforme relatos registrados em campo, este é disputado por
latifúndios de pecuária bovina, monocultivo de eucalipto, mineração de metais, diamantes e
ouro, e também pelo envase de água mineral. Se de um lado a iniciativa privada pressiona as
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comunidades pelo uso e exploração da terra, de outro o Estado os expropria com a criação de
parques naturais estabelecidos como Unidades de Conservação de proteção integral.
Figura 4 Vista Parcial da Comunidade Quilombola e Apanhadora de Flores Sempre-Vivas
Raiz, cercada por monocultivo de eucalipto.
Fonte: Acervo Pessoal (2018).
Uma concentração de parques naturais foi criada sobreposta aos territórios das(os)
apanhadoras(es) de flores e quilombolas. Entre os anos de 1990 e 2000 foram criadas,
precisamente, sete Unidades de Conservação de proteção integral (seis parques e uma estação
ecológica), que se estendem por uma área de “197.396 hectares que agregados às zonas de
amortecimento (ou zonas tampão), em alguns casos se sobrepondo, atingem 865.100 hectares,
o que representa 1,47% do território do estado” (Monteiro, 2011, p. 147).
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Figura 5 Mosaico de Unidades de Conservação do Espinhaço: Alto Jequitinhonha Serra
do Cabral
Fonte: Monteiro (2011).
Essas unidades foram criadas, sem consulta pública, pela ação de um conjunto de atores
entre os quais: órgãos dos governos federal e estadual (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e dos Recursos Naturais Renováveis/IBAMA, Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade/ICMBIO e Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais/IEF), prefeituras
municipais, pesquisadores, organizações não governamentais ambientalistas e
preservacionistas. Portanto, negligenciando as legislações e o que é previsto no Sistema
Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) (Monteiro, 2021, p. 45).
O efeito disso foram inúmeros conflitos gerados pela sobreposição de
territorialidades, em que se destaca o uso de violência de diversas ordens contra as
comunidades apanhadoras de flores em suas terras ancestrais e práticas tradicionais
de manejo, como uso controlado do fogo e coleta de flores. Destaque-se que
pesquisadores das ciências biológicas chegaram a afirmar a existência de extinção de
espécies de flores sempre-vivas coletadas como argumento de defesa para a criação
dos parques naturais, classificando as comunidades como “degradadoras”, sem, no
entanto, apresentar estudos de dinâmica de população dessas espécies. Para conter a
atividade, foram tomadas medidas de coibição da exportação, levando milhares de
famílias dessas comunidades a dificuldades econômicas (Monteiro, 2021, p. 46).
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Logo, a sobreposição dos parques aos territórios ancestrais implica não apenas na
vulnerabilização das comunidades, mas também na sua criminalização por exercerem suas
formas de produção e reprodução, ainda que diversas pesquisas tenham comprovado que toda
a área desperta interesse porque os povos tradicionais habitantes desse lugar, a protegeu e
manejou sua biodiversidade, com conhecimentos profundos sobre a terra. A fiscalização
desempenhada pelos órgãos gestores e ambientais dos parques, restringem o acesso e o uso da
terra (Costa Filho, 2021, p. 65).
Por sua vez, apanhadoras(es) de flores e quilombolas se articulam por meio da Comissão
em Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas Apanhadoras de Flores Sempre-Vivas
(CODECEX), que foi criada em 2010 com a missão de lutar e resistir “pela manutenção dos
territórios e do modo de vida tradicional; reconhecimento social dos apanhadores e apanhadoras
de flores sempre-vivas e respeito aos seus direitos; promoção do uso sustentável dos recursos
naturais; acesso a políticas públicas diferenciadas e incremento de renda das famílias” (Terra
de Direitos, 2019, s/p.).
Monteiro (2021) argumenta que a visibilidade da CODECEX se consolidou pela
“politização da identidade” dos apanhadores de flores, movimentando-se, principalmente, pelo
reconhecimento e regularização fundiária. Ressalta, além disso, que apesar da Comissão ter
sido criada em 2010, desde 2007 ano em que as comunidades começaram a ter ciência sobre
as imposições imputadas a elas e a seus territórios ocorriam mobilizações, levantes,
protestos e resistências contra todo o processo que se descortinava. Como bem sinaliza Dayrell
(2021), apesar da compulsória invisibilidade imputada, as comunidades se movimentam, por
meios próprios, contra as arbitrariedades do Estado e da iniciativa privada, reagindo à servidão
e a toda forma de violência e exploração, sejam elas físicas, materiais ou simbólicas.
Entre interesses e contradições, as políticas ambientais como instrumento de
desterritorialização de comunidades tradicionais
Desde 2005, pelo Zoneamento Ecológico Econômico do Estado de Minas Gerais, a área
onde se encontram as comunidades apanhadoras de flores Sempre-Vivas tornou-se área
prioritária para a conservação e, desde então, a porção meridional do Espinhaço foi reconhecida
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AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
MOREIRA, Bárbara Fernandes. Da precarização e branqueamento do território à invisibilização dos conflitos, das existências e resistências
vivenciadas pelas comunidades apanhadoras de flores sempre-vivas em Minas Gerais. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 12, nº 25, e122513,
2025.
Submissão em: 20/12/2024. Aceito em: 04/05/2025.
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como “Reserva da Biosfera” (Monteiro, 2021, p. 47). Em uma pesquisa rápida, pode-se verificar
que a página online oficial da Rede Brasileira de Reservas da Biosfera (RBRB)
5
descreve os
aspectos físicos, biogeográficos, menciona as dimensões territoriais e os municípios
compreendidos pela Serra do Espinhaço, afirma a “megadiversidade” da vegetação e da flora,
trata das espécies endêmicas e em extinção, mas em momento algum menciona as populações
que vivem sobre a serra e em seus arredores.
Como ensinado por Almeida (2012), mediante às transformações sociais em curso,
desde a primeira década do século XXI, o território tem sido sociologicamente reconceituado,
assumindo novos critérios de classificação com a retomada da relação entre fatores ambientais
e econômicos incorporados às ações governamentais, superpondo biomas e ecossistemas como
delimitadores de regiões, desdobrando-se na flexibilização de normas jurídicas de garantia dos
direitos de povos e comunidades tradicionais, vislumbrando um crescimento econômico
assentado em commodities minerais e agrícolas.
Nesta perspectiva, ao longo dos últimos anos, tem-se presenciado a implementação de
políticas de reorganização de espaços e territórios, concebidas como uma ação ostensivamente
protecionista de Estado, que direciona a reestruturação de mercados, com vistas à disciplinar a
comercialização da terra, dos recursos florestais e do subsolo, ressaltando a possibilidade de
crescimento econômico, ancorado em um discurso ambiental conservacionista, desenvolvido
por agências multilaterais que priorizam o zoneamento ecológico-econômico e programas de
proteção da natureza (Almeida, 2012, p. 19).
É preciso, portanto, recorrer a Monteiro (2011) para lembrar que, no processo de
determinação de áreas naturais a serem integralmente protegidas, os governos municipais têm
papel fundamental, alicerçado no interesse do aumento da arrecadação de impostos como, por
exemplo, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS Ecológico, que prevê
cotas maiores dos recursos arrecadados e repassados pelos estados aos municípios que
cumprem com requisitos ambientais, conforme as legislações estaduais. Portanto, quanto
5
REDE BRASILEIRA DE RESERVAS DE BIOSFERA. Reserva da Biosfera
da Serra do Espinhaço. S/d. Disponível em: https://reservasdabiosfera.org.br/reserva/rb-serra-do-espinhaco/.
Acesso em: 20 de março de 2024.
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MOREIRA, Bárbara Fernandes. Da precarização e branqueamento do território à invisibilização dos conflitos, das existências e resistências
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maiores as áreas destinadas às Unidades de Conservação se essas unidades forem
estabelecidas para a proteção integral , maior o recurso recebido pelos municípios.
Se, por um lado, o direito ao território é central para a garantia do acesso à terra, aos
recursos naturais, à memória, identidade e ancestralidade das comunidades tradicionais, por
outro lado, o Estado aciona o conceito de território para estruturar suas intervenções por meio
de políticas públicas e planejamentos estratégicos para mediar e influenciar o acesso a esses
recursos e às práticas espaciais desses sujeitos. Assim, tensiona e contrapõe os interesses sobre
o controle e a disciplinarização do espaço, invariavelmente, regulamentando e restringindo seu
acesso, sobrepondo normativas às demandas e necessidades comunitárias (Cruz, 2020, p. 144-
145).
Em um momento em que o desenvolvimento sustentável, pautado pela urgência do
enfrentamento às mudanças climáticas, consubstancia a agenda ambiental mundial, como no
caso dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) adotados pela Cúpula das Nações
Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável
6
, metas para o aumento de áreas protegidas,
especialmente pelos países subdesenvolvidos por conterem maior concentração de recursos
naturais , são estipuladas para demonstrar compromisso e alinhamento com a agenda. Em
um movimento global de readaptação ambiental para a exploração capitalista, essas áreas são
lidas por Monteiro (2021) como meios de garantia de reserva para futuras explorações, a fim
de aprovisionar “serviços ambientais” à comunidade internacional.
Conquanto, pela retomada de medidas de defesa da “natureza” e dos “interesses
nacionais”, a expressa relação entre a questão ambiental e o dito “desenvolvimento sustentável”
são justificadas pelas subsequentes crises econômicas, conformando agendas de Estado na
correlação com empresas transnacionais e agências multilaterais. Como resultado, o aparato
político-burocrático conduz a delimitação de recursos naturais estratégicos, a reforma de
códigos florestal, mineral e comercial, em prol da disciplinarização da aquisição de terras por
estrangeiros (Almeida, 2012, p. 21).
Por esta prerrogativa, compreende-se que as Unidades de Conservação de proteção
6
Disponível em: INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA IPEA. ODS 15 - Vida Terrestre.
Disponível em: https://www.ipea.gov.br/ods/ods15. S/d. Acesso em: 29 de março de 2024.
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integral, favorecem a “territorialização do capital” (Monteiro, 2021, p. 49) ao passo que do
entrelace entre poder público e iniciativa privada, terras dentro de reservas legais podem ser
averbadas e doadas ao Estado para gestão própria e/ou cessão de uso a “negócios sustentáveis”,
como acontece nos territórios das comunidades apanhadoras de flores sempre-vivas. Neste
entremeio, empresas se valem dos dispositivos de compensação ambiental para se fazerem
“ecologicamente corretas”, com aval tanto para criarem novas áreas de proteção, como para
implementar projetos em áreas diferentes daquela de sua atuação.
A identificação e subordinação dos recursos naturais estratégicos são os principais
requisitos do protecionismo que os dispõem às instalações de grandes obras de infraestrutura,
bem como à ampliação de commodities, classificadas como indispensáveis ao
“desenvolvimento sustentável” conjugado com os interesses nacionais, apoiados em fundos de
investimentos e arranjos transnacionais, com novas modalidades de contratos que regem
políticas específicas entre nações (Almeida, 2012).
Concorda-se com Monteiro (2021) em sua afirmação sobre o fato de que ignora-se que,
contraditoriamente, ao mesmo tempo em que as(os) apanhadoras(es) de flores sempre-vivas são
criminalizadas(os) e interpretadas(os) como “degradadoras(es) do ambiente” pelos órgãos
fiscalizadores, o território que ocupam secularmente é considerado de valor inestimável pela
riqueza de sua biodiversidade, sendo sua importância reconhecida mundialmente, e se torna
peça chave para os acordos de cooperação para o dito desenvolvimento sustentável em
atendimento à agenda ambiental, sobretudo, no que tange os interesses do estado de Minas
Gerais, bem como dos municípios nos quais estão dispostos e, não surpreendentemente, da
iniciativa privada de diferentes segmentos de produção.
Pode-se dizer que os sentidos de território remetem, em primeiro lugar, a um
“biologismo” extremado, que caracteriza o ambientalismo empresarial dos grandes
fundos de investimentos, seja [...] selecionando e monitorando “regiões” de terras
aráveis e de solos apropriados às grandes plantações, seja [...] elegendo as florestas, o
patrimônio genético e a biodiversidade como ativos ambientais, através de uma
combinação entre propriedade privada de grandes empresas [...] e recursos abertos às
comunidades locais, classificadas como guardiãs da natureza (Almeida, 2012, p. 23).
Em reunião com uma liderança da CODECEX, em março de 2024, foi relatado que,
entre os anos de 2007 e 2017, as comunidades apanhadoras de flores sempre-vivas foram
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totalmente impedidas de realizarem suas atividades nas áreas destinadas à conservação e
proteção integral, sob fortes ameaças e coações por parte da fiscalização. O que causou um
grande impacto na renda das famílias, além de potencializar o adoecimento físico e mental
dessas pessoas que, além de perderem seu meio de sustento, tiveram suas territorialidades
brutalmente invadidas e interrompidas.
De modo semelhante, a panha da flor e a permanência na serra aportam significados
culturais e mesmo medicinais, para além do trabalho e da organização da economia
familiar. A elas, por exemplo, são atribuídas a cura da depressão, um lugar de
reencontrar os amigos, os ritos de quando e como se inicia a coleta de flores pelos
filhos e o conhecimento da serra, sendo que saber transitar e viver nesta confere
respeito da comunidade (Costa Filho, 2021, p. 99-100).
Somente a partir de 2018, com o início do processo do reconhecimento de suas práticas
agrícolas como um “Sistema Importante do Patrimônio Agrícola Mundial” pela FAO, é que
teve início uma flexibilização da fiscalização e uma abertura de diálogo com o ICMBio e, com
isso, as comunidades voltaram a colher flores, mas ainda em uma área menor do que a original
e com muito receio de retaliação. Conforme expõe Filho (2021), apesar dessa flexibilização,
pelo menos até 2014
7
, era notório o volume de migrações que ocorreram, por consequência da
expropriação das terras, especialmente, diante da criação do Parque Nacional das Sempre-Vivas
(PNSV).
Por sua vez, as comunidades apanhadoras de flores sempre-vivas resistem às violências,
negligências e desterritorializações, organizando sua luta coletiva e politizando sua identidade,
para reivindicar e garantir direitos fundamentais, enquanto povos e comunidades tradicionais
do Brasil. Além de se mobilizarem e organizarem politicamente por meio da Comissão em
Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas (CODECEX), as comunidades: Macacos,
de Serra, Lavras, Vargem do Inhaí, Mata dos Crioulos, Raiz e Braúnas, elaboraram
coletivamente seus respectivos “Protocolo Comunitário de Consulta Prévia”, mobilizadas
pela Terra de Direitos e CODECEX
8
. O Protocolo é um instrumento primordial para a
7
O livro em que o artigo foi publicado foi lançado em 2021. No entanto, a pesquisa realizada pelo referido autor
ocorreu em 2014 (Costa Filho, 2021, p. 79).
8
TERRA DE DIREITOS. Protocolo Comunitário de Consulta Prévia Apanhadoras e Apanhadores de Flores
Sempre Vivas. 10 out. 2019. Disponível em:
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organização e tomada de decisões comunitárias, no que tange suas dinâmicas territoriais
cotidianas e que, sobretudo, faz cumprir o direito de consulta prévia e informada, conforme
determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a fim de
assegurar o direito de escolha, participação e avaliação de quaisquer projetos,
empreendimentos, propostas legislativas e pesquisas acadêmicas que afetem seus modos de
vida (Terra de Direitos, 2019).
Concomitantemente, se engajam pela recategorização do Parque Nacional das Sempre-
Vivas (unidade de conservação com maior extensão territorial, sobreposta ao território das
comunidades), visando transformá-lo em uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável, de
acordo com os levantamentos do Mapa de Conflitos Envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde
no Brasil (s/d.). Neste sentido, em 2023, lideranças comunitárias se reuniram com o presidente
do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), para discutir os
conflitos, denunciar as subsequentes violações de direitos por parte dos servidores agentes do
Parque contra as(os) apanhadoras(es) de flores, emissões de multas pela coleta de flores dentro
do território, aumento da grilagem, destruição de cargas de flores coletadas e a elaboração de
um Plano de Manejo sem participação e consentimento comunitários. Todas essas denúncias
foram organizadas em um dossiê construído pela Terra de Direitos e CODECEX, demonstrando
que as comunidades não são criminosas, tão pouco contra a preservação ambiental. Ao
contrário, a preservação conjugada com os saberes ancestrais são, por princípio, a base para o
sustento, produção e reprodução das famílias
9
.
Compreende-se, pois, que, ao ampliar as condições de expansão de commodities, o
próprio Estado induz a flexibilização dos direitos de povos e comunidades tradicionais,
sobretudo, no que tange ao seu território e às suas práticas territoriais. Como bem pontua
Almeida (2012), em curso uma redefinição dos direitos dos “trabalhadores migrantes”,
https://terradedireitos.org.br/acervo/publicacoes/cartilhas/53/protocolo-comunitario-de-consulta-previa-
apanhadoras-e-apanhadores-de-flores-sempre-vivas/23092. Acesso em: 30 nov. 2024.
9
TERRA DE DIREITOS. Apanhadoras de flores cobram do ICMBio solução de conflitos com Unidade de
Conservação em Minas Gerais. 18 set. 2023. Disponível em:
https://terradedireitos.org.br/noticias/noticias/apanhadoras-de-flores-cobram-do-icmbio-solucao-de-conflitos-
com-unidade-de-conservacao-em-minas-gerais/23933. Acesso em: 30 nov. 2024.
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somada a uma estigmatização das identidades étnicas, impactando normas jurídicas e
legislações, como no caso do Decreto 4.887/2023, que rege a demarcação e titulação de terras
de comunidades quilombolas. Reverberando na debilitação de fatores identitários, na
fragmentação de agentes sociais e de territorialidades específicas em áreas tradicionalmente
ocupadas e, não obstante, fragilizando identidades coletivas, movimentos sociais e suas
respectivas representações.
Diante disso, observa-se que o cenário de flexibilização de direitos e de reorganização
dos espaços e territórios, em que há um contínuo deslocamento de fronteiras em nome de uma
“segurança” (Almeida, 2012, p. 24), se descortina em duas importantes vertentes: a primeira
assinalada por Almeida (2012), é aquela que se perfaz mediante a amplificação das extensões
de terras públicas passíveis de serem comercializadas ou disponibilizadas aos grandes
empreendimentos, com a supressão de impedimentos jurídicos; e a segunda, e que mais nos
importa aqui, é resultado da anterior: a violência do Estado para com os territórios
tradicionalmente ocupados, que é caracterizada pelo professor Rogério Haesbaert (2006) como
uma delimitação subalternizante da reterritorialização imposta aos grupos. Imposta porque,
como vimos acima, no caso das comunidades apanhadoras de flores, o diálogo com os órgãos
ambientais foi aberto somente quando esses grupos foram reconhecidos aos olhos do mundo,
pela Organização das Nações Unidas, mascarando a contradição que os denuncia como
degradadores do ambiente, ao passo que mantêm as práticas extrativistas controladas, cerceadas
e fiscalizadas. Ou seja, mesmo diante de certa concessão, as(os) apanhadoras(es) de flores não
desempenham uma efetiva autonomia, domínio e nem apropriação de seu território, continuam,
portanto, desterritorializadas(os) (Haesbaert, 2006, p. 262).
Território em disputa: da criminalização dos sujeitos, à precarização e branqueamento
do território das(os) apanhadoras(es) de flores sempre-vivas
Como afirmado no início desse artigo, a preocupação permanente dessa pesquisa tem
sido compreender como os conflitos vivenciados pelas comunidades Apanhadoras de Flores
Sempre-Vivas podem ser interpretados pelos matizes da precarização e branqueamento do
território, ao passo que são impedidas de realizarem suas atividades laborais e extrativistas,
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mediante o discurso preservacionista com a instituição de Unidades de Conservação de
proteção integral.
Vislumbra-se, pois, compreender esse processo à luz do que ensina Haesbaert (2005,
2006, 2013, 2014 e 2021) sobre a precarização do território, enquanto fator determinante dos
processos de desterritorializações e reterritorializações, caracterizando-os no bojo das lutas e
resistências travadas pelas comunidades, porque entende-se que as desterritorializações a elas
impostas não foram recebidas de maneira apática e passiva. As(os) apanhadoras(es) de flores
sempre-vivas são sujeitos e protagonistas de sua própria história de luta e na conformação de
suas estratégias de resistência. São agentes ativos das reterritorializações que têm construído
com a retomada da colheita das flores, ainda que sofram pelo receio de retaliação, por parte dos
órgãos fiscalizadores.
Como agora se apresentou o contexto em que essas comunidades se inserem,
observando-as como comunidades tradicionais, aludimos ao que expõe Haesbaert (2005), ao
argumentar que o território se constitui como substantivo material e imaterial, ao passo que nele
se dão as interações entre sujeitos e grupos, conformando territorialidades.
Baseando-nos nas dimensões territoriais
10
de Haesbaert (2006), identificou-se o
território das Sempre-Vivas como político e cultural, ao passo que entende-se que enquanto os
processos de territorialização se dão pela maneira como determinada comunidade se dispõe em
determinado território; a desterritorialização ocorre mediante a descaracterização ou destituição
deste território simbólica ou fisicamente; e já os processos de reterritorialização implicam a
retomada com a ressignificação de um dado território (Haesbaert, 2006, p. 127); é possível
dizer, portanto, que transitam, simultaneamente, entre todos estes processos. De forma que suas
territorializações e territorialidades têm se dado, ao longo dos anos, resilientes às perdas
10
- política (referida às relações espaço-poder em geral) ou jurídico-política (relativa também a todas as relações
de espaço-poder institucionalizadas): a mais difundida, onde o território é visto como um espaço delimitado
controlado, através do qual se exerce um determinado poder, na maioria das vezes mas não exclusivamente
relacionado ao poder político do Estado.
- cultural (muitas vezes culturalistas) ou simbólico-cultural: prioriza a dimensão simbólica e mais subjetiva, em
que o território é visto, sobretudo, como o produto da apropriação/valorização simbólica de um grupo em relação
ao seu espaço vivido (Haesbaert, 2006, p. 40).
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territoriais; que, por sua vez, dizem respeito a um discurso preservacionista que os submete a
um processo de desterritorialização.
Porquanto, sabendo-se que essa desterritorialização é atravessada por uma herança
escravista, não se pode afastar da compreensão do seu caráter reprodutor das desigualdades
forjadas pelo sistema capitalista, que configuram o que Haesbaert (2014) denomina por
precarização do território - tendo em vista que esta precarização es relacionada com a
manutenção e aumento das desigualdades e, portanto, com a fragilização territorial. Para as(os)
apanhadoras(es), essa precarização se materializa desde o fechamento de seu território por meio
da expropriação do Estado e à violência inerente à essa negação de acesso, mas, também pela
dificuldade de acesso à educação - uma vez que escolas na maior parte das comunidades,
mas que atendem apenas a estudantes do ensino fundamental; às tecnologias de comunicação
(seja por telefonia ou internet) que são restritas; e pela impossibilidade de manter e acolher a
juventude, garantindo geração de renda para sua permanência junto ao seu grupo familiar,
mediante a retenção do território que é indispensável para sua produção e continuidade (Costa
Filho, 2021, p. 84 e 85).
Confirma-se, desta forma, que as políticas ambientalistas acionam, entre diferentes
variáveis, a raça para afirmar hierarquias baseadas no racismo ambiental e outras posturas e
práticas discriminatórias (Santos, 2013, p. 99-100). Como bem pontua Guimarães (2018), as
relações étnico-raciais de grupos socioculturais, exprimem uma forma de ser e estar no mundo
e, apesar de toda a opressão, segregação, negligência e subalternização de seus modos de vida,
resistem e imprimem paisagens, espaços e territórios diversos. Reivindicando sua
ancestralidade, suas experiências, signos e significados próprios.
Pode-se afirmar, então, que as comunidades apanhadoras de flores sempre-vivas
representam um território “condensador de direitos” (Cruz, 2013), em que o reconhecimento
pelo qual se luta extrapola o debate sobre igualdade e redistribuição de recursos. A “valorização
do direito à diferença” (Cruz, 2014, p. 61) pleiteada por esses movimentos sociais, refere-se,
também, a uma luta por autonomia de seus respectivos territórios. E essa autonomia perpassa
todos os âmbitos da vida em comunidade.
Por conseguinte, quando se pensa no trânsito das(os) apanhadoras(es) de flores, entre
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suas casas e os campos para a coleta e extração vegetal, estendendo-nos entre sertão, serra e
beiras do Jequitinhonha, percebe-se, simultaneamente, as multi, inter e transterritorialidades,
como ensina Haesbaert (2021), como categorias complementares entre si. Essas categorias
auxiliam na compreensão dos movimentos entre e dos territórios, rompendo com hierarquias
de poder, que, pelas teorias convencionais, retratam e lidam com os territórios levando em
conta, basicamente, seus aspectos físicos e materiais. Nesse caso, assimila-se também como
mecanismo de manutenção dos territórios das comunidades apanhadoras de flores sempre-
vivas, ao passo que é pela pluralidade territorial, cultural e identitária que as(os)
apanhadoras(es) e quilombolas se relacionam entre si e com o território, que é casa fixa e
temporária, é lugar de histórias e encontros, é ancestral e garante o sustento das gerações atuais,
é espaço de plantio e coleta vegetal e também de pastoreio animal, onde se promove
manutenção, proteção e reprodução de sua biodiversidade. Grafando, assim, suas
territorialidades com princípios políticos e econômicos próprios.
Ao compreendermos os conflitos imputados a essas comunidades por parte de um
Estado que atende ao capital e à agenda ambiental global, que os expropria para a criação de
reservas de valor com a instituição de Unidades de Conservação de proteção integral, é preciso
observar que essa precarização do território compõe um projeto político estruturado pelo
branqueamento do território que, como defendem Corrêa e Monteiro (2023), é um “dispositivo
da colonialidade do poder”. Os referidos autores explicam que a colonialidade é uma herança
do colonialismo, que segue pautando formas de dominação e exploração baseadas em critérios
étnico-raciais, influenciando e direcionando as relações políticas, econômicas e sociais, até a
nossa contemporaneidade. Neste sentido, a colonialidade é constituída por dispositivos e
práticas que a mantém no cerne do poder, como o branqueamento do território (Corrêa;
Monteiro, 2023, p. 8).
Aquilo que no passado foi utilizado como recurso para branqueamento da população
(com incentivo à migração de europeus), com princípios eugenistas, e que permeou os discursos
defensores de uma democracia racial no Brasil, hoje em dia se traduz em políticas de Estado e
em formas de gestão colonial do território, com um conjunto de procedimentos, em diversas
dimensões, escalas, tempos e espaços, invisibilizando e remodelando “territórios não brancos”
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AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZAR A SEGUINTE REFERÊNCIA:
MOREIRA, Bárbara Fernandes. Da precarização e branqueamento do território à invisibilização dos conflitos, das existências e resistências
vivenciadas pelas comunidades apanhadoras de flores sempre-vivas em Minas Gerais. Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 12, nº 25, e122513,
2025.
Submissão em: 20/12/2024. Aceito em: 04/05/2025.
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sob a lógica eurocêntrica (Corrêa; Monteiro, 2023, p. 15). O que, no nosso caso, pode ser
nitidamente lida pela responsabilização dos países subdesenvolvidos pelo alcance das metas de
ampliação do número de áreas de conservação, para os Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável das Nações Unidas, bem como pelo interesse do estado de Minas Gerais e dos
municípios do Vale do Jequitinhonha em manter as unidades de proteção integral para ampliar
a arrecadação de impostos e à averbação de terras para uso de “negócios sustentáveis”,
destituindo territórios tradicionalmente ocupados para apropriação e exploração do capital.
Concorda-se ainda com Corrêa e Monteiro (2023, p. 17) ao compreender que “a
dinâmica expressa no território nacional é resultado de um contínuo processo de
desterritorialização” desde o império, produzindo invisibilidades e reproduzindo violências.
Essas desterritorializações delineiam a precarização dos territórios por meio da destituição de
modelos de gestão coletiva, da remoção de símbolos e geossímbolos, apagamento de trajetórias
e narrativas territoriais, proibição e/ou criminalização de determinados usos dos territórios
sejam eles simbólicos, políticos ou econômicos. E todas essas expressões da precarização
configuram práticas e políticas de branqueamento dos territórios, que ultrapassam a questão do
fenótipo, e são executadas de formas diferenciadas, em escalas diversas, planejadas dentro de
um ordenamento territorial jurídico e simbólico, materializados no espaço (Corrêa; Monteiro,
2023, p. 15).
Por isso, ao se deparar com o contexto vivenciado pelas comunidades apanhadoras de
flores sempre-vivas, não se pode afastar-se da concepção de que as sanções a elas impostas,
disfarçadas de protecionismo ambiental, consolidam todos os aspectos aqui descritos de um
território precarizado, por meio de uma política de branqueamento. Fala-se em política de
branqueamento porque não se pode desviar da concepção de que as sequelas do processo de
escravização no Brasil, permanecem vigentes, em manutenção e sendo aprimoradas na nossa
contemporaneidade.
Guimarães (1999) lembra que, se em algum momento acredita-se e defende-se viver em
uma democracia racial (conforme defendia Gilberto Freyre), foi porque anteriormente, o
conceito de “raça” foi cientificamente criado para justificar diferenças, qualidades e privilégios
baseados na cor da pele, em características hereditárias, na origem e nas práticas culturais. E,
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ao perceber que essa concepção gerou um incontestável genocídio, como durante a Segunda
Grande Guerra, quer-se afirmar que a causa do racismo era, exatamente, a disseminação do
termo “raça” na sociedade. Portanto, se se quisesse romper com o racismo e suas práticas
discriminatórias, bastava deixar que a categoria “raça” caísse no esquecimento.
Contudo, ainda que os ideais da democracia racial estivessem difundidos e ecoem
até os dias de hoje entre movimentos e coligações mais reacionárias; ainda que se tenha tentado
justificar as desigualdades socioeconômicas e de oportunidades pelo conceito e pelo discurso
de classes, é sabido que não foram erigidas políticas e ações concretas, eficazes e efetivas para
a inserção, o acolhimento, a reparação pelos danos e violências imputadas às populações
escravizadas. Ao contrário, o que se constituiu foi uma política de negação do racismo enquanto
um fenômeno social, reduzindo-o ao preconceito individual, classificando o Brasil como uma
“sociedade multirracial de classes”, mantendo as hierarquias e a ordem racial do período
escravocrata, com uma integração social subordinada e tardia, disfarçando uma ideologia
racista, por meio de um antirracismo reduzido a um antirracialismo (Guimarães, 1999, p. 150-
152).
Somado a isso, constrói-se um ideal de embranquecimento, não tão evidente quanto
aquele em que se almejava o “clareamento” da população com o incentivo à mestiçagem, sob
padrões da eugenia. Mas, naquele ideal recapeado, em que o embranquecimento era um status
a ser almejado e alcançado, por meio da ascensão socioeconômica, que se desdobraria na
tentativa de apagamento de características socioculturais negras e indígenas. Guimarães (2003)
remonta esse contexto expondo que, em contraposição ao ideal de embranquecimento e à essas
medidas de manutenção da subalternização da população negra, o Movimento Negro Unificado
ressurge em 1978, como um ator político, questionando o discurso nacionalista e retomando a
concepção de raça para reivindicar uma origem africana na identificação de pessoas negras,
evocando seus antepassados e ancestrais.
O conceito de raça ora evocado, rebate a “raça atribuída pelo outro” por um processo
de racialização que identifica e transforma grupos raciais em subalternos por características
físicas, hereditárias, reguladas pela reprodução biológica e defendidas pela ciência; e reclama
por uma formação racial, enquanto prática política contra-hegemônica de formação de coletivos
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não apenas de indivíduos (Guimarães, 2016, p. 165).
Pelo ativismo do movimento negro, portanto, a raça assume um caráter simbólico e
cultural, como instrumento de ação e reação política, de desenvolvimento e solidificação de
uma identidade. Isto porque, de acordo com Guimarães (2016), raça e cor foram as referências
possíveis para uma mobilização, diante às normas universalistas e republicanas de cidadania,
que nega políticas públicas direcionadas à população negra.
Aprende-se com Almeida (2019) que, no contexto brasileiro, o racismo está diretamente
relacionado à escravidão e a colonização, ao passo que as estruturas e organizações racistas
foram constituídas naquele peodo, mas ainda persistem influenciando nossa sociedade. Logo,
para o autor, sem os conceitos de raça e racismo, não se pode compreender essa sociedade, uma
vez que ambos integram sua organização política e econômica. O racismo se apresenta como a
“normalidade” das relações sociais, fornecendo significado, lógica e tecnologia para a
reprodução das desigualdades e violências cotidianas, desde as relações interpessoais, às
dinâmicas institucionais, aos fazeres econômicos e políticos. Portanto, alicerça essa estrutura e,
por isso, se concebe estrutural.
Ainda que requerida pelo Movimento Negro por seu caráter simbólico e cultural, a raça
continua sendo um elemento político manipulado para a naturalização das desigualdades, bem
como para a legitimação da segregação e do genocídio de grupos sociologicamente percebidos
como minoritários. Além disso, fundamenta o racismo em seu sistemático processo de
discriminação, que culmina em desvantagens ou privilégios a determinados indivíduos,
dependendo do grupo racial no qual estão inseridos (Almeida, 2019, n.p.).
Quando se assume o caráter estrutural do racismo, superando seu reducionismo ao
preconceito individual, permite-se o entendimento de que ele sustenta e é sustentado por essa
sociedade em todas as suas dimensões. Reverberando no cerne das instituições, porque elas
tanto refletem os conflitos sociais em sua busca por dirimi-los, como também porque são
exatamente os grupos hegemônicos, projetados como universalistas, que constituem as
instituições e a elas recorrem para ditar seus interesses políticos e econômicos. As instituições,
por assim dizer, reproduzem o racismo, porque elas também compõem e materializam essa
estrutura social da qual o racismo é decorrente e se expressa como desigualdade política,
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econômica e jurídica (Almeida, 2019, s.p.).
Deste debate, portanto, pode-se entender que, no contexto estudado, as políticas
ambientais se configuram como um aparato para afirmação do Estado enquanto essa instituição
que pratica a precarização dos territórios das comunidades apanhadoras de flores sempre-vivas,
por meio da privação, do fechamento e da sua descaracterização, enquanto um território
tradicionalmente ocupado, valendo-se de uma estrutura racista camuflada pelo discurso
protecionista e preservacionista, negando, invisibilizando e violentando os conhecimentos
ancestrais que mantiveram toda sua biodiversidade até alcançarem o reconhecimento
internacional.
Como bem argumenta Cruz (2020), a colonização moderna não se limita apenas à
dominação política e econômica, mas também envolve a colonização das práticas espaciais e
culturais de uma sociedade, subalternizando, modificando modos de vida e as representações
espaciais das comunidades tradicionais. Portanto, interferir em suas práticas cotidianas
expressa uma extensão das estratégias coloniais, onde o Estado e as corporações internacionais
coordenam cientificamente a apropriação do espaço e a transformação das relações sociais, para
atender ao capital. Perpetuam, assim, as posições e desigualdades condicionais, reforçam as
estruturas de poder, utilizando o território como ferramenta de controle social, sustentando a
subalternização dos povos e comunidades tradicionais.
Considerações Finais
Este artigo foi elaborado com o objetivo de compreender em que medida as experiências
e conflitos vivenciados pelas comunidades Apanhadoras de Flores Sempre-Vivas que se
encontram na Serra do Espinhaço Meridional, nas regiões do Alto Vale do Jequitinhonha e
Norte do estado de Minas Gerais, podem ser compreendidos como um processo de precarização
e branqueamento do território, respaldado pelo discurso de proteção ambiental, para a criação
de reserva de valor e territorialização do capital, em uma conjuntura em que o Estado atribui
aparatos para que a iniciativa privada se estabeleça, ao passo que amplia sua arrecadação de
impostos ambientais por meio da criação de Unidades de Conservação de proteção integral.
No decorrer do texto, pôde-se observar que o território tradicionalmente ocupado pelas
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comunidades apanhadoras de flores, apresenta uma biodiversidade que se mantém abundante
devido ao manejo realizado pelas(os) apanhadoras(es) que secularmente produzem e
reproduzem seus modos de vida, baseados nos conhecimentos ancestrais na lida com as flores
e com a terra. Apesar de suas práticas agrícolas terem sido reconhecidas como fundamentais a
esse ecossistema pela Organização das Nações Unidas; contraditoriamente, as políticas
protecionistas estaduais e federais permanecem acusando-os de degradadores e criminosos,
como se atentassem contra a natureza e o meio ambiente.
Mediante o histórico, a ascendência e a ancestralidade negra e indígena dessas
comunidades, é fundamental observar que as políticas ambientais adotadas pelo estado de
Minas Gerais e pela União, se territorializam por meio das Unidades de Conservação de
proteção integral, sobrepostas ao território tradicional, de maneira arbitrária, violenta e
criminalizadora. Flexibilizando normas jurídicas que favorecem a reorganização dos espaços e
territórios, com vistas à ampliação da arrecadação de impostos, bem como à disponibilização
de terras públicas a empreendimentos ditos sustentáveis, em detrimento dos direitos dos povos
e comunidades tradicionais.
Em contraposição ao processo incriminador a que estão submetidas, as comunidades
tanto resistem de forma organizada e politizada; se apropriando dos seus direitos, criando
instrumentos para garanti-los; como apontam para outros caminhos possíveis, que conjuguem
a preservação ambiental e a salvaguarda dos modos de vida tradicionais, lutando pela
recategorização do Parque Nacional das Sempre-Vivas, convertendo-o de unidade de
conservação de proteção integral, para reserva de desenvolvimento sustentável que, como prevê
o SNUC, se configura por uma área natural que abriga populações tradicionais.
As intervenções estatais em territórios tradicionalmente ocupados, respaldadas pelo
discurso ambiental e protecionista, para o atendimento à agenda global para o desenvolvimento
sustentável e enfrentamento às mudanças climáticas, dilatando a extensão de áreas
integralmente protegidas, são práticas contumaz justificadas pelas consecutivas crises
econômicas.
Concomitantemente, essas práticas subalternizam processos de reterritorialização, ao
passo que as desterritorializações impostas a essas comunidades, perpetuam a reprodução das
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desigualdades socioeconômicas da população brasileira não branca, afirmando a raça como
elemento central e direcionador das políticas ambientais da Nação mesmo que não explicita
e literalmente, ao passo que os fatores que limitam e precarizam territórios tradicionais são
tangenciados a modos de vida e a territorialidades específicas, enquanto os agentes beneficiados
por esta lógica estão entre os grupos que exercem o poder, que atendem ao capital e à sua forma
desigual de reprodução.
Portanto, é indispensável a compreensão de que o projeto político brasileiro se sustenta
por uma política racista de branqueamento do território, que precariza territórios não brancos,
porque é um projeto consolidado por práticas de colonialidade do poder. Conservando seu modo
de apropriação e exploração, invisibilizando violências, apagando trajetórias e narrativas que
aqui são configuradas por uma pluralidade territorial, cultural e identitária, retroalimentando
uma gestão colonial do território, que por sua vez absorve a qualidade de instrumento
subalternizante para o exercício do controle social.
Para romper com as reinvenções do colonialismo, com as armadilhas políticas e
econômicas do capitalismo, para verdadeiramente enfrentar as mudanças climáticas: evoque-se
as confluências de Nêgo Bispo, as existências e resistências das apanhadoras de flores,
quilombolas, indígenas, ribeirinhos, caiçaras, geraizeiros, vazanteiros, quebradeiras de coco e
tantos povos que constituem esse país e, em sua luta, protegem nossos biomas. Evoquem-se as
vozes e conhecimentos daqueles que vieram antes para que, como ensina o mestre Ailton
Krenak (2022), possa-se construir um futuro ancestral. Nosso futuro está em revisitar os
conselhos daqueles que vieram antes, na lida com as flores, sobre a serra, na beira do rio,
cuidando da terra menos por seu valor especulativo e mais pela garantia de uma vida digna,
sem privilégios de cor ou raça.
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