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SOUSA, Leomar; TESTA, Eliane. As batalhas de rimas improvisadas do
movimento Hip-Hop no Parque Cimba, em Araguaína-TO: práticas de
letramento de reexistência da juventude periférica. PragMATIZES -
Revista Latino-Americana de Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 15, n.
28, p.73-96, mar. 2025.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes - ISSN 2237-1508
(Dossiê "Hip-Hop no Brasil: a produção de sentidos e as
transformações da cultura")
As batalhas de rimas improvisadas do movimento Hip-Hop no Parque Cimba,
em Araguaína-TO: práticas de letramento de reexistência da juventude
periférica
Leomar Alves de Sousa
1
Eliane Cristina Testa
2
DOI: https://doi.org/10.22409/pragmatizes.v15i28.65565
Resumo: Neste artigo analisamos como as batalhas de rimas improvisadas do movimento Hip-Hop,
realizadas semanalmente no Parque Cimba, em Araguaína-Tocantins, se constituem como práticas de
letramento de reexistência em que jovens Mc’s engendram suas rimas a partir de temáticas
socioculturais que perpassam suas vivências nas regiões periféricas em que vivem. Analisamos ainda
como essas batalhas de rimas são incorporadas aos ambientes escolares como objeto de ensino na
perspectiva de contribuir na formação dos alunos como leitores literários. O artigo consiste em uma
pesquisa participante com análise qualitativa, em que apontamos que por meio das batalhas de rimas
improvisadas os Mc’s expressam suas vivências de jovens periféricos que fazem a leitura crítico-social
de seus contextos de vida em perspectivas de reexistência frente a essas realidades.
Palavras-chave: Hip-Hop; batalhas de rimas; letramento de reexistência.
The improvised rhyme battles of the Hip-Hop movement in Cimba Park, in Araguaína-TO: literacy
practices of re-existence of peripheral youth
Abstract: In this article, we analyze how the improvised rhyme battles of the Hip-Hop movement held
weekly at Parque Cimba, in Araguaína-Tocantins, constitute literacy practices of re-existence in which
young MCs create their rhymes based on sociocultural themes that permeate their experiences in the
peripheral regions where they live. We also analyze how these rhyme battles are incorporated into
school environments as teaching objects with the aim of contributing to the formation of students as
literary readers. The article consists of a participatory research with qualitative analysis, in which we
point out that through improvised rhyme battles, MCs express their experiences as young people from
the periphery who make a critical-social reading of their life contexts from the perspective of re-existence
in the face of these realities.
1
Doutor em Linguística e Literatura pela Universidade Federal do Tocantins (UFNT). Docente da
educação básica na rede estadual de ensino do Estado do Tocantins. E-mail: ramoel05@gmail.com.
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2898-6230.
2
Doutora em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).
Docente na Universidade Federal do Norte do Tocantins (UFNT). E-mail: eliane.testa@ufnt.edu.br.
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0863-4297.
Recebido em 01/12/2024, aceito para publicação em 22/12/2024.
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SOUSA, Leomar; TESTA, Eliane. As batalhas de rimas improvisadas do
movimento Hip-Hop no Parque Cimba, em Araguaína-TO: práticas de
letramento de reexistência da juventude periférica. PragMATIZES -
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28, p.73-96, mar. 2025.
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(Dossiê "Hip-Hop no Brasil: a produção de sentidos e as
transformações da cultura")
Keywords: Hip-Hop; rap battles; re-existence literacy.
Las batallas de rimas improvisadas del movimiento Hip-Hop en el Parque Cimba, en Araguaína-
TO: prácticas de alfabetización para la reexistencia de la juventud periférica
Resumen: En este artículo analizamos cómo las batallas de rimas improvisadas del movimiento Hip-
Hop realizadas semanalmente en el Parque Cimba, en Araguaína-Tocantins, constituyen prácticas de
alfabetización de reexistencia en las que los jóvenes Mc generan sus rimas a partir de temas
socioculturales que permean sus experiencias. en las regiones periféricas en las que viven. También
analizamos cómo estas batallas de rimas se incorporan a los ambientes escolares como objeto de
enseñanza con vistas a contribuir a la formación de los estudiantes como lectores literarios. El artículo
consiste en una investigación participativa con análisis cualitativo, en la que señalamos que a través
de batallas de rimas improvisadas, los Mc expresan sus experiencias como jóvenes periféricos que
realizan una lectura crítico-social de sus contextos de vida en perspectivas de reexistencia en el rostro.
de estas realidades.
Palabras clave: Hip-Hop; batallas de rimas; alfabetización de reexistencia.
As batalhas de rimas improvisadas do movimento Hip-Hop no Parque Cimba,
em Araguaína-TO: práticas de letramento de reexistência da juventude
periférica
Introdução: Mc’s, rimadores das
batalhas de rimas do movimento
Hip-Hop
Esse estudo é um recorte de
uma pesquisa participante que se
constituiu através do desenvolvimento
de um projeto de leitura literária com
foco em obras da literatura marginal-
periférica e letras de poetas do Hip-Hop
(Mc’s e rappers), em uma turma de
ano e outra de ano em uma escola
pública de educação sica na cidade
de Araguaína-TO. A referida pesquisa
teve como objetivo geral “Demonstrar,
por meio de um projeto de leitura, que
as batalhas de rimas improvisadas do
movimento Hip-Hop, aliadas às
narrativas e à poética da literatura
marginal-periférica contribuem para a
formação de jovens leitores literários na
escola”.
À vista disso, definimos como
objetivo desse artigo analisar como a
participação dos Mc’s da Batalha do
Cimba contribuiu para o letramento de
reexistência em que, por meio das
batalhas de rimas improvisadas, os
jovens Mc’s põe em evidência
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SOUSA, Leomar; TESTA, Eliane. As batalhas de rimas improvisadas do
movimento Hip-Hop no Parque Cimba, em Araguaína-TO: práticas de
letramento de reexistência da juventude periférica. PragMATIZES -
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transformações da cultura")
elementos socioculturais de suas
vivências na periferia. Nessa
perspectiva, temos como objetivos
específicos, nesse estudo, (i) discutir
de que modo as batalhas de rimas o
introduzidas no ambiente escolar como
objeto de ensino com o propósito de
contribuir na formação dos alunos
como leitores de literatura, e (ii)
compreender como os jovens Mc’s
constroem suas rimas improvisadas,
considerando seus contextos
socioculturais.
Tendo em vista que o projeto de
leitura literária, base do presente
estudo, se consistiu por meio de
práticas didático-metodológicas de
oficinas de leitura de poesias da
literatura marginal-periférica e das
poéticas do Hip-Hop, em que os alunos
tiveram momentos de interação com
Mc’s em eventos de batalhas de rimas
no contexto escolar, adotamos a
análise qualitativa com viés
interpretativo e bibliográfico, com
realização de entrevistas com os Mc’s
participantes da pesquisa, gravações
audiovisuais de batalhas de rimas,
além de transcrições e análises dessas
batalhas.
Como movimento cultural, o Hip-
Hop surge nas periferias, sobretudo
marcadas pela predominância da
população negra, e “[...] historicamente
ganha força nos Estados Unidos a
partir do final dos anos 1970 e
posteriormente se espalha pelas
grandes metrópoles do mundo” (Souza,
2011, p. 15). Sendo uma cultura
periférica o Hip-Hop, se caracteriza
pela expressão das vozes periféricas,
que fazem suas críticas às
vulnerabilidades sociais, à violência
policial, ao racismo e a outras formas
de violências e situações diversas que
dificultam e até impedem o exercício da
cidadania.
O movimento Hip-Hop agrega
em sua constituição cinco elementos
distintos pelas suas diversidades de
expressões artísticas que manifestam
uma filosofia de vida de seus
integrantes, sendo esses: (i) Rap
(Ritmo e poesia); (ii) Mc (Mestre de
cerimônias); (iii) Dj (Disc jockey); (iv)
Grafite; e (v) Breaking.
Ao referir a representatividade
do Mc dentro da cultura Hip-Hop,
D’Alva (2014), pontua que ele
[...] pulsa na contundência do
discurso das ruas, tornando-se
um porta-voz que, por meio de
articulações de rimas o rap
(rhythm and poetry, ritmo e
poesia) -, estabelece a
comunicação oral narrando a
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transformações da cultura")
realidade em que está inserido
além de histórias fictícias,
memórias e toda sorte de
assuntos que possa
representá-lo (D’Alva, 2014, p.
04).
Nesse sentido, os Mc’s, mestres
de cerimônias, atuam como cantores
de rap, fazem apresentações de shows
e são poetas competidores e
apresentadores de batalhas de rimas
improvisadas, a exemplo do grupo de
jovens organizadores e participantes do
movimento Batalha do Cimba, na
cidade de Araguaína-TO, manifestação
cultura da poética do Hip-Hop que
acontece aos finais das tardes de
domingo, no Parque Cimba que
nome ao evento.
Os Mc’s que participam da
Batalha do Cimba compõem um grupo
composto de aproximadamente vinte
adolescentes, jovens e adultos, com
idade entre treze e vinte e seis anos.
São moradores de diferentes bairros da
cidade, sendo a maioria de regiões
periféricas ao centro e ao Parque
Cimba, que fica localizado muito
próximo à área central de comércios
diversos. Grande parte desses Mc’s
são estudantes da educação básica e
três cursam ensino superior, e há ainda
aqueles que abandonaram a escola
sem concluir o ensino médio.
Em geral, os integrantes do
movimento Hip-Hop, especialmente, os
rappers e os Mc’s possuem uma
identidade cultural peculiar e
desprovida de formalidades, marcada
pelo uso de nomes artísticos e pelas
vestimentas, que costumam ser
compostas por shorts de tactel ou
moletom, por calças compridas e
folgadas, por bonés, por camisetas
quase sempre grandes e
desproporcionais aos tamanhos dos
corpos, por regatas e/ou por mangas
compridas, com estampas alusivas a
cantores de rap, a times de futebol e a
marcas internacionais de produtos
famosos. Esses elementos que
caracterizam a identidade do Mc são
tidos como objetos de desejo de
consumo daqueles que nem sempre
possuem poder aquisitivo suficiente
para a satisfação de tal desejo.
Comumente o uso desses
adereços compõem toda uma
aparência “descolada”, associada ao
uso de tatuagens. Todos esses
elementos que dão visibilidade aos
corpos são realçados pela linguagem
informal com a presença de gírias,
comuns às localidades que residem e
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SOUSA, Leomar; TESTA, Eliane. As batalhas de rimas improvisadas do
movimento Hip-Hop no Parque Cimba, em Araguaína-TO: práticas de
letramento de reexistência da juventude periférica. PragMATIZES -
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transformações da cultura")
aos grupos sociais a que os Mc’s e
rappers pertencem, estruturando e
definindo a identidade cultural (Hall,
2006, p. 11-12).
Segundo a concepção de Hall
(2006), no que concerne à identidade e
à composição da identidade cultural:
[...] a identidade é formada na
“interação” entre “eu” e a
sociedade. O sujeito ainda tem
um núcleo ou essência interior
que é o “eu real”, mas esse é
formado e modificado num
diálogo contínuo com os
mundos culturais “exteriores” e
as identidades que esses
mundos oferecem. [...] A
identidade, então, costura (ou,
para usar uma metáfora
médica, “sutura”) o sujeito à
estrutura. Estabiliza tanto os
sujeitos quanto os mundos
culturais que eles habitam,
tornando ambos
reciprocamente mais
unificados e predizíveis (Hall,
2006, p. 11-12).
E, ainda a respeito da formação
da identidade:
É precisamente porque as
identidades são construídas
dentro e não fora do discurso
que nós precisamos
compreendê-las como
produzidas em locais históricos
e institucionais específicos, no
interior de formações e práticas
discursivas específicas, por
estratégias e iniciativas
específicas (Hall, 2014, p. 109).
Desse modo, como aponta o
autor, podemos dizer que a identidade
cultural dos Mc’s se constitui por meio
de múltiplas interações socioculturais
em seus contextos de vivências em
comunidades que agregam os núcleos
familiares e escolares, de amizades, de
trabalho e de emprego; e, sobretudo,
por meio dos constantes contatos (ou
consumo) da cultura Hip-Hop: pelo
contato com a arte do grafite, pelo
acesso às batalhas de rimas, ou por
meio de canais de disseminação deste
estilo de vida via internet. Em
específico, os Mc’s da cidade de
Araguaína-TO interagem,
principalmente pela participação nas
rodas de batalhas de rimas
improvisadas no Parque Cimba-TO, e
em outros espaços públicos de lazer e
dentro das escolas.
Nesse sentido, os Mc’s citados
neste artigo participaram como
colaboradores no projeto de leitura
literária de obras poéticas da literatura
marginal-periférica, raps de artistas
nacionais, realizando batalhas de rimas
improvisadas em interações com
alunos adolescentes de uma turma de
8º e outra de 9º ano.
A participação dos Mc’s como
colaboradores da pesquisa realizando
oficinas de rimas improvisadas se
justificou pelo fato de muitos deles
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movimento Hip-Hop no Parque Cimba, em Araguaína-TO: práticas de
letramento de reexistência da juventude periférica. PragMATIZES -
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28, p.73-96, mar. 2025.
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(Dossiê "Hip-Hop no Brasil: a produção de sentidos e as
transformações da cultura")
manifestarem interesse pela leitura,
seja por livros sobre fatos históricos,
sejam por livros de literatura; de modo
que os conteúdos apreendidos por
meio dessas leituras aparecem como
elementos temáticos nas performances
de suas rimas improvisadas nas
batalhas nas quais participam.
Todos esses diferentes
contextos contribuem para a formação
de suas identidades culturais e
evidenciam explicitamente suas
filiações ao universo Hip-Hop,
principalmente caracterizado pelos
estilos de vida associados aos modos
como estes poetas de rua adornam
seus corpos com vestimentas, com
tatuagens, com bonés e com outros
adereços, que compõem todo um estilo
pessoal realçado pela linguagem
informal e pelo uso de gírias explícitas
em rimas, por meio das quais se
posicionam frente às realidades em que
vivem. Vale destacar que seus
posicionamentos geralmente são
expressos por posturas de contestação
e denúncias das vulnerabilidades
sociais, em práticas de letramento de
reexistência, tais como a leitura e a
escrita literária a partir das próprias
vivências, a produção de raps, a
realização de slam, o grafite e as
batalhas de rimas improvisadas.
Em vista de tais características
identitárias, Souza (2011) considera a
cultura Hip-Hop como agência de
práticas de letramentos de reexistência
ao argumentar que:
[m]inha intenção é evidenciar
que o movimento cultural Hip-
Hop emerge como uma
agência de letramento que
apresenta pontos em comum
com diversas experiências
educativas de grupos do
movimento social negro que o
antecederam. É dessa
perspectiva que procuro
descrever o processo no qual
os ativistas do movimento Hip-
Hop desempenham papel
histórico ao incorporar, criar,
ressignificar e reinventar os
usos sociais da linguagem, os
valores e intenções que chamo
de letramento de reexistência
(Souza, 2011, p. 36).
A autora destaca o caráter
educativo e emancipatório do
movimento Hip-Hop, sobretudo por
possibilitar eventos de letramento, visto
que em sua essência esse movimento
se realiza por meio de diferentes
manifestações artístico-culturais que
põe em evidência o potencial criativo
das populações das comunidades
periféricas que, veem na arte um
potente meio de vencer a pobreza,
além de despertar a consciência crítica
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transformações da cultura")
em relação aos contextos sociais em
que vivem.
A esse respeito, Sousa (2024)
considera que:
[...] experienciar as
manifestações dos elementos
do Hip-Hop extrapolam as
dimensões da fruição estética,
ganhando conotações crítico-
sociais, em que, por meio da
poesia, do rap, do grafite e da
dança, a comunidade se
apropria das linguagens
artísticas para expressarem
suas percepções e
reivindicarem transformações
nas questões que os colocam
em situações de
vulnerabilidade social, oriundas
da ausência de políticas
públicas (Sousa, 2024, p. 134-
135).
Consideramos que esses modos
de experienciar as manifestações dos
elementos do Hip-Hop a partir da
expressão de visões crítico-sociais,
como fazem os Mc’s nas batalhas de
rimas improvisadas, constituem
eventos de letramento de reexistência,
principalmente pelas formas enfáticas
que verbalizam suas percepções
acerca das problemáticas presentes na
sociedade, tais como: o desemprego, a
falta de moradia, as dificuldades de
acesso ao sistema de saúde, o racismo
estrutural, a violência policial, dentre
outras.
Reagindo contra essa realidade
estigmatizante que podemos ver na
nossa sociedade, os Mc’s, assim como
os rappers, usam a palavra lítero-
poética, contestando as diferentes
manifestações preconceituosas,
discriminatórias e racistas que são
disseminadas em diversas situações e
contextos, contra as comunidades
periféricas, por vezes criminalizadas
pelo fato de assumirem suas
identidades culturais.
Consonante ao exposto,
recorremos a Patrocínio (2013) que, ao
argumentar acerca das vozes dos
sujeitos periféricos, afirma que:
No entanto, ainda que a
constituição dos sujeitos
discursivos seja distinta, o
signo da marginalidade ainda
permite a formação de um
discurso de resistência que se
fixa no confronto a uma
determinada norma
estabelecida, seja ela estética
ou ética. Em outras palavras, a
marginalidade ainda é utilizada
como uma forma antagônica
que permite o estabelecimento
de um discurso de oposição
contra-hegemônico
(Patrocínio, 2013, p. 34)
Nesse sentido, as vozes que se
enunciam e se anunciam nas poéticas
e nas narrativas do Hip-Hop,
produzidas pelos Mc’s fazem ecoar
manifestações de resistência e de
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(Dossiê "Hip-Hop no Brasil: a produção de sentidos e as
transformações da cultura")
reexistência, que visam romper com
discursos hegemônicos, quase sempre
engendrados em diversas formas de
violências que se materializam em
atitudes preconceituosas e racistas que
parecem cristalizadas na formação da
sociedade brasileira, uma vez que
sabemos que o racismo é estrutural.
Batalhas de rimas
improvisadas na escola como
prática de letramento de reexistência
As práticas de letramento
compreendem atividades como o ato
de ler e de escrever em contextos de
interações sociais que, em se tratando
da cultura Hip-Hop, podemos
exemplificar como letramento de
reexistência a produção de raps, a
realização de campeonato de poesia
slam, o grafite e as batalhas de rimas
improvisadas, que são “[...] práticas
sócio-literárias de resistência à
opressão e de potencialização de
vozes que sempre foram oprimidas na
história do Brasil” (Amorim et al., 2022,
p. 109).
3
As batalhas de conhecimento se caracterizam
pelo estilo “ideologia”, em que os Mc’s
constroem suas rimas a partir de seus
conhecimentos sobre diferentes temas.
Geralmente a plateia cita as palavras e/ou
Para exemplificar essas vozes,
apresentamos, a seguir, as visões
crítico-sociais expressas por Mc Th e
Mc Alucard, em uma batalha de
conhecimento
3
no ambiente escolar,
em que externam suas visões
contrárias aos discursos de preconceito
ao estilo Hip-Hop e ao racismo,
respectivamente:
Freestyle é bonito, pelo jeito
de nós se vestir
A sociedade pensa que nós
somos bandidos
Pelo alargador ou tatuagem
Você pode crer, eu vou
chegando aqui
Rimando, sabe, no maior lazer
Cê tá ligado? A verdade é nua
e crua,
Quando veem nós na rua
Já viram pro outro lado da rua!
(Mc Th)
Quanto ao contexto da produção
das rimas de Mc Th, assim como a rima
de Mc Alucard, que será apresentada
na sequência, ressaltamos que foram
produzidas em um evento de interação
com alunos da Educação de Jovens e
Adultos (EJA), em uma escola pública
da cidade de Araguaína-TO. O evento
era de uma batalha de conhecimento
em que, geralmente, os Mc’s solicitam
expressões e os Mc’s elaboram suas rimas a
partir dessas palavras e expressões
apresentadas pelas pessoas da plateia.
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transformações da cultura")
que a plateia apresente uma relação de
palavras isoladas para, a partir delas e
com acompanhamento musical de rap
instrumental, o beat, fazerem suas
rimas improvisadas, demonstrando
seus níveis de conhecimentos sobre os
temas nomeados por tais palavras.
Quanto ao conteúdo, ao lermos
os trechos das rimas produzidas por
meio de uma dinâmica de
improvisação, vemos que a palavra-
chave desencadeadora do tema (que
foi proposto pelo Mc Th) foi
“sociedade”. Observamos que Mc Th
não conceitua o termo “sociedade”,
mas denuncia o modo como algumas
pessoas são/agem na sociedade “A
sociedade pensa que nós somos
bandidos”, porque eles assumem suas
identidades culturais (com suas roupas,
vestimentas, adornos no corpo,
tatuagem etc.). Vemos implicitamente
que um misto de preconceito e de
repulsa quanto aos corpos e à maneira
de ser dos integrantes da cultura Hip-
Hop.
Portanto, há, nas palavras do Mc
Th, uma verdade da dor de quem sente
na pele o peso de fazer parte de
determinados modos de vida “A
sociedade pensa que nós somos
bandidos” /“Cê ligado? A verdade é
nua e crua/ Quando veem nós na rua/
viram pro outro lado da rua!”,
sabemos que integrar certas
identidades culturais no nosso país,
muitas vezes, é ser perseguido e/ou
sofrer discriminações.
Contudo, Mc Th também não
deixa de exaltar a beleza do freestyle,
dizendo que: freestyle é bonito”; a
expressão refere-se a um estilo de
poesia falada e ritmada com
acompanhamento instrumental rap,
que constitui as batalhas de rimas
improvisadas.
o Mc Alucard traz sua visão
de mundo no que se refere ao tema
preconceito. Vejamos as rimas, a
seguir:
Eu tenho tudo contra os
preconceitos
E eu bato no peito:
Porque rap, eu faço com amor
Sendo preto ou branco,
Sempre honro a minha cor!
Sempre no microfone,
Sempre honrando o meu
nome,
Eu represento no microfone
É isso aí, aqui não tem D.R:
Preto ou branco, representam
minha pele!
(Mc Alucard)
no verso inicial, Mc Alucard
anuncia seu posicionamento crítico-
social a respeito de preconceitos,
evidenciando a seus interlocutores que
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(Dossiê "Hip-Hop no Brasil: a produção de sentidos e as
transformações da cultura")
é totalmente contrário a qualquer tipo
de manifestação preconceituosa, visto
que a palavra-chave e o tema para
improvisação de suas rimas são o
termo “preconceito”. Logo em seguida,
o Mc prossegue expressando que faz
rap com amor, e por isso não faz
distinção de cor, portando-se com
honra diante das diferenças étnico-
raciais, na condição de jovem
fenotipicamente branco, mas que faz
parte da cultura Hip-Hop.
Enfatizamos, também, a
identificação desse jovem Mc com os
princípios fundadores do movimento
cultural Hip-Hop, que surgiu nos guetos
de Nova Iorque, nos Estados Unidos,
no início da década de 1970,
principalmente, como um movimento
de resistência da população negra
contra o racismo, pois a falta de
oportunidades de integração e a
atuação em todos os setores da
sociedade americana, colocava a
população negra em posições sociais
de vulnerabilidade e de miséria.
Devido a isso, Bill E. Lawson
(2006) afirma que a “cultura Hip-Hop de
4
Silvio Almeida (2020) argumenta que “o
racismo é sempre estrutural, ou seja, de que ele
é um elemento que integra a organização
econômica e política da sociedade.” (Almeida,
2020, p. 20). Desse modo, no Brasil, o racismo
fato tem suas raízes nas lutas políticas
dos negros” (Lawson, 2006, p. 171),
fazendo menção aos contextos
históricos desse movimento cultural,
notadamente de lutas e de
reivindicação de direitos da população
negra norte-americana, alicerçado em
contínuas manifestações contra o
racismo estrutural
4
. É marcante esta
cultura de contestação dotada de
posições político-filosóficas em favor
das comunidades negras e/ou
periféricas. Também estes aspectos de
luta e de contestação foram difundidos
mundo afora, e, no Brasil, a partir do
final da década de 1970 e início de
1980, conforme afirma a pesquisadora
Ana Cristina Ribeiro Silva (2021), na
obra “Laboratório Hip-Hop: Arte,
Educação Batalha- Cia Eclipse e
Convidadas (os) e suas andanças”,
LiteraRua.
Retomando a análise das rimas,
vemos que, na segunda estrofe, Mc
Alucard prossegue exaltando seu
compromisso com a cultura Hip-Hop,
por meio de sua atuação nas batalhas
de rimas, que, consonante à sua visão,
se manifesta em todas as relações sociais,
causando exclusão da população negra, além
de muitas vezes culminar em violência e morte
dessas pessoas.
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SOUSA, Leomar; TESTA, Eliane. As batalhas de rimas improvisadas do
movimento Hip-Hop no Parque Cimba, em Araguaína-TO: práticas de
letramento de reexistência da juventude periférica. PragMATIZES -
Revista Latino-Americana de Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 15, n.
28, p.73-96, mar. 2025.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes - ISSN 2237-1508
(Dossiê "Hip-Hop no Brasil: a produção de sentidos e as
transformações da cultura")
ele “representa no microfone”, assim
como “Preto ou branco”, que ele afirma
que representam a cor da pele dele.
Então, as rimas improvisadas de Mc
Alucard assumem nitidamente
posições de pertencimento e de
identidade cultural constituída pelo Hip-
Hop, sobretudo no modo como ele se
define como um representante
absolutamente comprometido com
essa cultura, a ponto de assumir uma
postura antirracista.
Podemos constatar pelas rimas
improvisadas dos dois Mc’s que estes
jovens rappers acionam as camadas de
suas subjetividades e seus
conhecimentos, oriundos de vivências
e de leituras, para que suas rimas
exprimam suas visões crítico-sociais, a
exemplo da questão do preconceito
(contra a identidade da cultura Hip-
Hop) e do racismo, tão exacerbado em
diferentes contextos sociais e em
classes no Brasil.
Com vistas à formação de
leitores literários na escola, por meio de
diferentes práticas leitoras, escutas e
análises de raps, promovemos Oficinas
com as batalhas de rimas (com a
participação in loco dos Mc’s na escola)
a fim de fomentar as percepções de
alunos em favor de uma ampliação de
suas capacidades de interpretação e de
compreensão dos diferentes contextos
sociais em que vivem. As oficinas foram
realizadas em uma turma de ano e
outra de no Colégio Estadual Adolfo
Bezerra de Menezes, na cidade de
Araguaína.
A seguir, apresentamos breves
biografias dos três Mc’s participantes
da Batalha do Cimba, que realizaram
as oficinas na escola:
Mc Lemes: Adotou esse nome
no Hip-Hop em alusão ao seu
sobrenome. Tem vinte e quatro anos de
idade (2022), autodeclara-se como
preto. Formou-se em Farmácia
recentemente e atua na área. Até os
dezesseis anos conhecia as
batalhas de rimas por meio de vídeos
assistidos em canais do YouTube e do
Instagram. Seu primeiro contato
presencial com esses eventos culturais
de rimas improvisadas ocorreu em
2017, quando foi convidado por um
amigo, em uma tarde de domingo, a ir
assistir um grupo de adolescentes e
jovens rimarem de forma improvisada
no Parque Cimba, na cidade de
Araguaína, onde ele mora.
A partir de então, o jovem
passou a frequentar essas batalhas de
rimas, que ocorre semanalmente,
84
SOUSA, Leomar; TESTA, Eliane. As batalhas de rimas improvisadas do
movimento Hip-Hop no Parque Cimba, em Araguaína-TO: práticas de
letramento de reexistência da juventude periférica. PragMATIZES -
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28, p.73-96, mar. 2025.
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(Dossiê "Hip-Hop no Brasil: a produção de sentidos e as
transformações da cultura")
reunindo um significativo número de
jovens rimadores e pessoas formando
uma plateia. Devido à localização do
evento, passou a ser denominado
como Batalha do Cimba, desde o início,
no ano de 2017. Vejamos, na
sequência, a Figura 1:
Figura 1 - Jovens reunidos em um evento de
batalha de rimas no Parque Cimba.
Fonte: arquivo do pesquisador (2019)
Mc Lemes, desde então, tornou-
se frequentador assíduo do Parque
Cimba e participante das batalhas,
destacando-se dentre os Mc’s da
cidade e do Estado do Tocantins, pelas
rimas improvisadas,
predominantemente construídas no
5
Nas batalhas de rimas improvisadas, as rimas
construídas pelos Mc’s podem ser classificadas
em três diferentes estilos: estilo gastação - em
que predominam palavras de desmerecimento
ou detratação de um Mc contra o outro, assim
como ocorre nas pelejas de cordel; estilo
pederastia- em que os Mc’s proferem
palavrões, fazem alusão ao ato sexual, e aos
órgãos genitais. Esses dois estilos de rimas, em
momento algum foram proferidos pelos Mc’s
participantes dessa pesquisa nos contextos do
estilo “ideologia”
5
. Desde 2018, visita
escolas de ensino fundamental e
médio, bem como faculdades, falando
aos estudantes sobre o movimento Hip-
Hop e a Batalha do Cimba, sempre
fazendo apresentações de rimas
improvisadas e ministrando oficinas,
com o objetivo de dar mais visibilidade
a essa cultura. A seguir, consideremos
a Figura 2:
Figura 2 - Mc Lemes (à direita) no Duelo
Nacional de Mc’s edição 2019, em Belo
Horizonte/MG, representando o Estado do
Tocantins
Fonte: foto cedida pelo Mc Lemes para essa
pesquisa (2023).
Anualmente, Mc Lemes,
juntamente com outros Mc’s
frequentadores da Batalha do Cimba,
projeto educativo do qual participaram como
colaboradores. E, por fim, temos o estilo
“ideologia”, em que os Mc’s demonstram seus
conhecimentos sobre temáticas diversas e
também tecem críticas sociais, sobretudo
contextualizadas com acontecimentos
noticiados nas mídias. O estilo “ideologia” é o
que constitui as batalhas de conhecimento,
predominantes no movimento cultural Batalha
do Cimba (Sousa, 2024, p. 77-78).
85
SOUSA, Leomar; TESTA, Eliane. As batalhas de rimas improvisadas do
movimento Hip-Hop no Parque Cimba, em Araguaína-TO: práticas de
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28, p.73-96, mar. 2025.
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(Dossiê "Hip-Hop no Brasil: a produção de sentidos e as
transformações da cultura")
mobiliza-se para participar do
Campeonato Estadual de Mc’s, em que
rimadores de pelo menos cinco cidades
do Estado do Tocantins enfrentam-se
nas batalhas de rimas disputando quem
será o representante do Estado no
Duelo Nacional de Mc’s, que ocorre
anualmente no mês de novembro.
Considerando todo o empenho e
o comprometimento de Mc Lemes com
o movimento Hip-Hop, especialmente,
os modos como ele se mobilizou para a
continuidade da Batalha do Cimba em
Araguaína, nos anos de 2019, 2020 e
2021, ele se destacou nos
campeonatos estaduais de rimas
improvisadas, sendo o representante
estadual nos três anos consecutivos no
Duelo Nacional de Mc’s, na cidade de
Belo Horizonte/MG.
Mc Snout: Mc Snout conheceu o
movimento cultural da cidade de
Araguaína por meio da rede social
Facebook, quando soube que ocorreria
a primeira edição da Batalha do Cimba,
no ano de 2017. Desde então, ele
participa das batalhas de rimas
improvisadas, dentro e fora do Estado
do Tocantins.
Ele tem vinte e três anos (2022),
autodeclara-se como negro, o que é
posto contundentemente na construção
de suas rimas. Possui o ensino médio
completo e trabalha no comércio de
máquinas diversas como conferente de
mercadorias. Eis, na sequência, a
Figura 3:
Figura 3 - Mc Snout em apresentação a
estudantes da UFNT
Fonte: foto cedida pelo Mc Snout para essa
pesquisa (2023).
Conforme nos relatou Mc Snout,
em entrevista, sua identificação com o
movimento Hip-Hop justifica-se como
uma forma de “motivação pra seguir
meus sonhos e mostrar um novo ponto
de vista pra sociedade”, além de
representar a idealização de um “sonho
de carreira e uma lvula de escape do
meu dia a dia”.
À vista disso, podemos
compreender que a identidade cultural
de identificação com o Hip-Hop,
assumida pelo Mc Snout, configura-se,
um modo de se estar e interagir no
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SOUSA, Leomar; TESTA, Eliane. As batalhas de rimas improvisadas do
movimento Hip-Hop no Parque Cimba, em Araguaína-TO: práticas de
letramento de reexistência da juventude periférica. PragMATIZES -
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transformações da cultura")
mundo, sobretudo na perspectiva de
realização pessoal na condição de Mc,
visto que, como tal, ele vislumbra
possibilidades de posicionar-se
criticamente diante de diferentes
questões sociais e de ser ouvido por
seus interlocutores. Além disso, o Mc
externa que sua atuação nas batalhas
de rimas permite que ele distancie da
vida comum marcada pelos afazeres
constantes do cotidiano.
Considerando os modos
interativos como Mc Snout participa das
batalhas de rimas e das oficinas de
produção de rimas nos ambientes
escolares, e suas percepções sociais e
vivências expressas em entrevista que
nos foi concedida para esta pesquisa,
evidenciamos seu posicionamento de
resistência e de reexistência (Souza,
2011) em que, por meio de sua
identidade cultural Hip-Hopper, ele
vislumbra perspectivas de intervenções
nos contextos sociais em que vive.
Mc Ferrugem: Embora goste
muito de rimar, na maioria das vezes,
esse jovem Mc assume a função de
apresentador das batalhas, instigando
a plateia a interagir e a expressar a
opinião quanto ao desempenho dos
Mc’s competidores em cada edição.
Mc Ferrugem assumiu esse
nome artístico no movimento Hip-Hop,
em referência às sardas que apresenta
no rosto e aos cabelos levemente
ruivos. Tem vinte e dois anos (2022),
autodeclara-se como branco de
cabelos ruivos e, assim como Mc
Lemes e Mc Snout também participa da
Batalha do Cimba desde as primeiras
edições, em 2017. É estudante do
curso de Direito na Faculdade Católica
Dom Orione (FACDO) e exerce
atividades remuneradas não
específicas, que denomina de “bicos”.
Consideremos, a seguir, a Figura 4:
Figura 4 - Mc Ferrugem em apresentação
Fonte: foto cedida pelo Mc Ferrugem para
essa pesquisa (2023).
Questionado sobre qual
concepção tem do movimento Hip-Hop,
Mc Ferrugem afirma que, para ele, “É
cultura, é a expressão dos oprimidos
pela sociedade em que são
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transformações da cultura")
discriminados justamente pelo que são”
(Mc Ferrugem em entrevista concedida
no dia 22 de março de 2023).
Quanto à inserção das batalhas
de rimas na escola, no contexto dessa
pesquisa, Mc Ferrugem considera que
é um modo de “[...] expressar em
palavras o que você está sentindo, seu
conhecimento e a batalha te dá uma
impulsão para isso. Por isso eu acho
bastante interessante essa ideia.” (Mc
Ferrugem em entrevista concedida no
dia 22 de março de 2023).
As percepções de uso
pedagógico das batalhas de rimas com
vistas ao incentivo à leitura literária e à
produção de poemas, expressas
anteriormente pelo Mc Ferrugem, estão
em conformidade com a assertiva de
Marc Lamont Hill (2014), que afirma
que:
Através da Literatura Hip-Hop,
os estudantes se envolvem
com os textos de Hip-Hop e uns
com os outros, de maneira que
produzem conversas críticas
em momentos transgressores.
Através da sala de aula imersa
6
A poesia slam, conforme Cynthia Agra de Brito
Neves (2017), é “Um novo fenômeno da poesia
oral e performática” que se realiza por meio de
“competições ou batalhas de poesias que dão
voz e vez a poetas da periferia, os quais versam
sobre as adversidades do seu cotidiano”
(Neves, 2017, p. 92). Nesse sentido, os
campeonatos de slam geralmente são
realizados em praças com presença de plateia
e também nas escolas: os slams escolares ou
no Hip-Hop e, particularmente,
através dos textos de Hip-Hop,
os alunos [são] capazes de
criar novos espaços e formas
para fazer soar suas vozes
(Hill, 2014, p. 51).
Sendo assim, a Literatura Hip-
Hop, citada pelo autor, congrega letras
de raps, poesias slam
6
, batalhas de
rimas improvisadas e, em muitos casos
os escritos em prosa e em versos de
autores da literatura marginal-
periférica, que também expressam
contestação à ausência do poder
público (governamental) nas
comunidades periféricas, no que
concerne à manutenção de serviços
sociais, como cultura, educação, além
de manifestar veementemente o
combate ao racismo e à violência
policial. É exatamente nesta
perspectiva que os Mc’s apresentados
colaboraram no projeto de leitura
promovendo batalhas de rimas
improvisadas e nas oficinas de rimas,
como já referimos nesse estudo.
interescolares. Consiste na apresentação de
uma poesia autoral com tempo máximo de até
três minutos, sem que o poeta utilize qualquer
recurso como suporte, apenas a voz e o corpo.
Ao final da apresentação um júri composto por
cinco pessoas da plateia emite suas notas.
Vence o poeta que conseguir chegar até a final
com a maior nota.
88
SOUSA, Leomar; TESTA, Eliane. As batalhas de rimas improvisadas do
movimento Hip-Hop no Parque Cimba, em Araguaína-TO: práticas de
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(Dossiê "Hip-Hop no Brasil: a produção de sentidos e as
transformações da cultura")
Destacamos que na primeira
participação deles na escola,
inicialmente, apresentaram uma breve
batalha de rimas, na modalidade
batalha de conhecimentos, em que
solicitaram aos estudantes que
falassem palavras contidas nos
poemas dos cards literários, lidos no
sarau do primeiro encontro, para que
pudessem ajudar a construir as rimas a
partir daquelas palavras.
Nessa ação de batalha de rimas
improvisadas, houve maior
envolvimento dos discentes; a maioria
não conhecia essa cultura Hip-Hop e se
mostrou fascinada pela capacidade de
improvisação rítmica-poética dos Mc’s.
Então, mediante a grande aceitação e
simpatia dos discentes para com os
Mc’s, e como estava previsto no
planejamento do projeto, convidamos
esses poetas da oralidade para
participar em outros dois momentos
posteriores.
A seguir, apresentamos a
transcrição da última batalha de rima
improvisada, que foi realizada na
quadra da unidade escolar, no evento
Mostra Literária, promovido pelos
professores da área de linguagem com
a participação de estudantes de todos
os turnos da escola:
Mc Lemes: Se vocês ama essa
cultura, como eu amo essa
cultura...gritem hip...
Plateia: hop!
Mc Lemes: gritem hip...
Plateia: ...hop!
Mc Lemes: Se vocês ama essa
cultura, como eu amo essa
cultura...gritem hip...
Plateia: ...hop!
Mc Lemes: gritem hip...
Plateia: hop!
Mc Lemes: Então eu vou fazer
aqui uma demonstração,/
passando a minha mensagem
e agradecendo/...só falando
verdade, porque vem do
coração!/ Por isso a cada verso
vou fazendo uma construção,/
tipo pedreiro! que o pedreiro
da cena./ Construindo
problema? Não!/
resolvendo meus esquemas,/
porque eu sou pouco a favor
desse sistema!/ Não, não, não!
Porque minha mente,/ ela
sempre segue plena!
Mc Snout: Minha mente segue
plena e encontra a alma! / Por
isso que eu dedico amor à
literatura. / E na minha cultura
expresso sempre isso, porque
eu sou o verso próprio da
cultura!/ Então eu me permito
com a intenção de melhorar,/
porque eu faço o freestyle na
frente pra mim somar! / Por
mais que o som
problema...tá ligado? / Diante
da perseverança não
obstáculo!
89
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movimento Hip-Hop no Parque Cimba, em Araguaína-TO: práticas de
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transformações da cultura")
Mc Lemes: Não obstáculo,
eu vou chegando!/ Cês sabe
que a rima, agora
incucando!/ Mas não importa
onde eu chego, eu sigo
somando!/ Decorrendo do que
eu corro, sabe que eu
suando!/ Um salve pro Colégio
que me abrigou nessa cultura!/
sabe que amo arte e
literatura!/ Porque isso é
mensagem do meu
vocabulário!/ sabe que eu
rimo, independente do horário:/
de manhã ou de tarde...talvez
ou trabalhando!/ Mas você
sabe que com a cena eu
somando!/ Na escola eu
sempre tive estudando,/ e
agora eu voltei na escola eu
voltei me apresentando!
Mc Snout: Hoje eu fazendo
ritmo com a escola, isso é
engraçado!/ Existe ditatura,
porque meus professores do
passado/ me salvaram de
sentar no canto de mais uma
ditadura!/ Por isso que eu digo
meu freestyle restaurado!/
Vários professores me tiraram
dessa.../ eu nem sabia que eu
tinha talento Hip-Hop,/ o
professor que me ensinou! É o
quinto ano que tô nessa!
Plateia: Êhhhhhh... (Gritos e
aplausos)
Mc Lemes: Por isso que aqui
eu vou lançar...o flow/ A
seguinte mensagem eu vou
passar:/ porque aqui se passa
verdade nos corações.../ do
professor, que é o mestre de
todas as profissões!/ Aqui tem
todas as profissões unidas!/
Por isso que todas as culturas
são bem-vindas,/ por isso que
todo conhecimento é de
verdade!/ Porque aqui se prega
a evolução com sagacidade!
Mc Snout: (primeiro verso
ininteligível) ...desperta o
conhecimento, a moral...
ligado que o meu rap diz a
causa: o melhor conhecimento,
a literatura passa! Por isso que
eu chego nessa animação
falando: vocês com a
Educação, vocês tão se
armando... contra uma
opressão garantida no futuro!
Porque cês sabe que a vida
num é fácil nesse mundo! A
vida não é fácil, mas se tiver
estudo, o caminho de vocês,
vocês que escolhe...é o futuro!
Plateia: Êhhh! (Aplausos)
Mc Lemes: Mano, por isso que
aqui se constrói!/ Então
cada professor é um super-
herói!/ É... eu tô sempre na
minha evolução!/ Por isso que
eu vou passar minha visão,/ de
tudo que eu faço aqui é de
coração!/ São verdades
passadas em forma de
improvisação!/ É... e a escola
sempre abriga quem quiser:/
não importa se ele é homem,
se ele é preto, ou se é mulher!/
Não importa, que ao
ir...cultura!/ isso aqui é muito
mais que... cultura de rua!/ A
gente tá constatando a postura
perpetua!/ Por isso que eu vou
rimando na minha e na sua!
Mc Snout: Eu apresento meu
conceito ideal de sociedade!/
Geral panguando!/ Não tem
mulher, não tem preto! Não tem
homem macho, mano!/ Pra
mim existe bora ser
humano”!/ Por isso que eu
chego pro freestyle!/ Agora...
na rima eu digo: “fora com a
opressão!”./ Racismo e
preconceito na minha
sociedade,/ me deixam
90
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28, p.73-96, mar. 2025.
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transformações da cultura")
indignado com a própria
convicção!
Mc Lemes: Por isso que com
verso eu faço magia!/ Então eu
faço rap: ritmo e poesia!/ Eu
agradeço a oportunidade de
coração!/ E com em Deus,
sábado o Flamengo é
campeão!
Plateia: Êhhhhhhh! (Aplausos).
(Fonte: transcrição feita pelo
pesquisador a partir de vídeo
cedido pela coordenação da
escola)
A batalha de rima acima foi
gravada em vídeo por meio de aparelho
celular pela coordenadora da escola
campo de pesquisa, que nos cedeu
para uso neste estudo. Assim, fizemos
a transcrição literal
7
do áudio com o
propósito de apresentar a batalha em
sua integralidade com a reprodução fiel
das rimas dos Mc’s. A batalha teve
duração de quatro minutos e doze
segundos, foi apresentada como forma
de demonstrar para toda a comunidade
escolar a importância do movimento
Hip-Hop na escola, e como os Mc’s
improvisam suas rimas que, naquele
momento, tiveram como mote suas
percepções do projeto de leitura
7
Na transcrição literal é importante que todo o
conteúdo enunciado pelos falantes sejam
transcritos, exatamente do modo como foi
enunciado: obedecendo a linguagem desses
literária que desenvolvemos com os
estudantes das turmas de e de 9º
anos, do qual participaram como
colaboradores; e, ainda, a apreciação
dos trabalhos artístico-literários
expostos e apresentados no evento em
que fizeram a batalha.
Como marcamos na transcrição,
houve a participação da plateia, que
estava disposta, com a maioria das
pessoas sentadas, assistindo à
apresentação. Inicialmente, Mc Snout
falou brevemente sobre o movimento
Hip-Hop em Araguaína, destacando a
Batalha do Cimba. Ele falou ainda de
sua participação e dos Mc’s Lemes e
Ferrugem nas oficinas do projeto de
leitura que desenvolvemos na escola e,
em seguida, passou a palavra ao Mc
Lemes.
Mc Lemes iniciou sua
enunciação convocando a plateia a
interagir com a saudação usual das
batalhas de rimas, sempre entoada no
início dessas apresentações: “Se vocês
ama essa cultura, como eu amo essa
cultura...gritem: Hip-Hop!”. As pessoas
da plateia, animadas, responderam à
falantes, reproduzindo sua linguagem formal ou
coloquial, gírias, pausas e contração de
palavras, por exemplo.
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SOUSA, Leomar; TESTA, Eliane. As batalhas de rimas improvisadas do
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(Dossiê "Hip-Hop no Brasil: a produção de sentidos e as
transformações da cultura")
saudação, conforme instruções de Mc
Lemes.
Os dois jovens abrem a batalha
com rimas que fazem referência a suas
condições de integrantes do movimento
Hip-Hop por meio de suas identidades
como Mc’s integrantes da batalha de
rimas improvisadas. Citam, ainda, o
comprometimento com o fazer poético
de construção de rimas improvisadas,
como vemos nos versos “Cê sabe que
eu rimo, independente do horário:/ de
manhã ou de tarde...talvez ou
trabalhando! /Mas você sabe que com
a cena eu tô somando!”, de Mc Lemes.
Por meio desses versos, Lemes
apresenta à plateia sua relação com a
batalha de rimas, demonstrando sua
identidade cultural, aparentemente
formada sob forte influência do
movimento Hip-Hop, ao qual ele se
refere como “a cena”. Vejamos, a
seguir, a partir da Figura 5, a imagem
dos Mc’s performando suas rimas.
Figura 5 - Mc Lemes e Mc Snout (à direita) em
batalha de rimas
Fonte: fotografia cedida pela coordenação do
Col. Adolfo (2022).
Na progressão da apresentação
da batalha de rimas, os Mc’s passaram
a rimar sobre a arte e a literatura,
expressando admiração e uma possível
relação com a leitura e com a produção
de literatura oral, por meio da
construção das rimas improvisadas e
do freestyle, como afirma Mc Snout, em
“Por isso que eu dedico amor à
literatura./ E na minha cultura expresso
sempre isso, porque eu sou o verso
próprio da cultura!/ Então eu me
permito com a intenção de melhorar,/
porque eu faço o freestyle na frente pra
mim somar!”.
No decorrer dos versos que dão
início à batalha, percebemos que os
dois Mc’s improvisam suas rimas
apresentando, enfaticamente à plateia,
suas relações com o movimento Hip-
Hop, destacando suas improvisações
92
SOUSA, Leomar; TESTA, Eliane. As batalhas de rimas improvisadas do
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(Dossiê "Hip-Hop no Brasil: a produção de sentidos e as
transformações da cultura")
rítmico-poéticas e, sobretudo,
demonstrando suas identidades
culturais, formadas a partir de suas
relações com essa cultura, que
expressa as vozes das populações
periféricas urbanas, histórica e
majoritariamente constituída de
pessoas negras.
Na continuidade, Mc Lemes
informa a plateia quanto à sua vivência
de interlocuções rítmico-poéticas nos
ambientes escolares, atuando como
artista da cultura Hip-Hop por meio das
rimas improvisadas, como está
expresso na sequência de rimas, a
seguir:
Um salve pro Colégio que me
abrigou nessa cultura!/ sabe
que amo arte e literatura!/
Porque isso é mensagem do
meu vocabulário!/ Cê sabe que
eu rimo, independente do
horário:/ de manhã ou de
tarde...talvez ou
trabalhando!/ Mas você sabe
que com a cena eu
somando!/ Na escola eu
sempre tive estudando,/ e
agora eu voltei na escola eu
voltei me apresentando! (Mc
Lemes, nov 2022).
Nessa construção de rimas,
Lemes faz referência à sua atuação em
apresentações nos ambientes
escolares, em que frequentemente se
faz presente junto com outros Mc’s,
levando a cultura Hip-Hop por meio de
palestras, de rodas de conversas com
crianças, com adolescentes e com
adultos, de oficinas de rimas, e,
principalmente realizando batalhas de
rimas improvisadas na modalidade
conhecimento.
Nesse contexto, salientamos
que acompanhamos a trajetória do
movimento Hip-Hopper Batalha do
Cimba desde o início, no ano de 2017,
e a partir de então incentivamos e
encaminhamos os Mc’s a levarem as
batalhas de rimas para as escolas e as
universidades, como forma de
expansão da cultura Hip-Hop e de
valorização da poesia oral construída
por esses poetas orais urbanos, Mc’s e
rappers, que, conforme assevera
Souza (2011), “[e]m suas narrativas,
eles tematizam o cotidiano,
aconselham, denunciam, ensinam,
tomando como referências aspectos do
meio social, político e cultural em que
vivem” (Souza, 2011, p. 61).
Em conformidade com o
argumento exposto acima por Souza
(2011), as construções poéticas dos
Mc’s, a exemplo das rimas de Lemes e
de Snout, em destaque, evocam como
temáticas, diversos aspectos sociais e
contemporâneos presentes nos
93
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Revista Latino-Americana de Estudos em Cultura, Niterói/RJ, Ano 15, n.
28, p.73-96, mar. 2025.
www.periodicos.uff.br/pragmatizes - ISSN 2237-1508
(Dossiê "Hip-Hop no Brasil: a produção de sentidos e as
transformações da cultura")
contextos urbanos-periféricos,
denotando suas vivências e suas
percepções crítico-sociais acerca dos
contextos em que estão inseridos.
Nas rimas em análise,
verificamos que os Mc’s colocam em
evidência a abertura gradual que as
escolas e as universidades têm dado
para a inserção do Hip-Hop nesses
ambientes, em perspectiva de
interlocuções poéticas e de
contribuições à construção de uma
educação literária, voltada aos
estudantes da educação básica e do
ensino superior, e ainda os próprios
Mc’s, dentre os quais percebemos que
alguns desenvolveram a consciência
de que para se sobressaírem nas
batalhas de rimas necessitam praticar
diversos tipos de leituras,
principalmente, a literária.
Podemos destacar, ainda, nessa
batalha de rimas realizada na escola,
outras temáticas enunciadas por
Lemes e por Snout que, de certo modo,
convocam a plateia, principalmente, os
estudantes presentes, a refletir sobre a
literatura como expressão das
percepções da realidade cotidiana. Isso
pode ser assinalado com base nos
seguintes versos de Mc Snout: “Minha
mente segue plena e encontra a alma!/
Por isso que eu dedico amor à
literatura./ E na minha cultura expresso
sempre isso, porque eu sou o verso
próprio da cultura!”; vemos também
referência ao papel de transformação
social desempenhado pela educação,
em:
Por isso que eu chego nessa
animação falando: vocês com a
Educação, vocês tão se
armando... contra uma
opressão garantida no futuro!
Porque cês sabe que a vida
num é fácil nesse mundo! A
vida não é fácil, mas se tiver
estudo, o caminho de vocês,
vocês que escolhe...é o futuro!
(Mc Snout, nov 2022).
As rimas de Snout destacam a
perspectiva de que, por meio do acesso
à educação, os adolescentes e os
jovens em formação poderão ter
melhores condições de romper com as
diversas dificuldades que acentuam as
desigualdades sociais e que limitam
e/ou impossibilitam o acesso à
cidadania.
Como construção artístico-
cultural, o movimento Hip-Hop é,
sobretudo, uma prática de grande
relevância que expressa as vozes da
população negra e periférica,
marginalizada ao longo da história
pelas impossibilidades de acesso à
cidadania, aspecto potencializado pelo
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SOUSA, Leomar; TESTA, Eliane. As batalhas de rimas improvisadas do
movimento Hip-Hop no Parque Cimba, em Araguaína-TO: práticas de
letramento de reexistência da juventude periférica. PragMATIZES -
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racismo. Em contraposição a essa
realidade, as poéticas enunciadas
pelos Mc’s nas batalhas de rimas,
assim como nas letras de raps,
potencializam o combate a todo tipo de
preconceito e de racismo, tão
presentes na sociedade brasileira.
Devido a isso, destacamos, a
seguir, as rimas em que Mc Snout faz
sua crítica social a partir de sua
percepção de diferentes preconceitos e
do racismo (que é uma questão
estrutural em nosso país), aos quais
repudia. Vejamos a letra:
Eu apresento meu conceito
ideal de sociedade!/ Geral
panguando!/ Não tem mulher,
não tem preto! Não tem homem
macho, mano!/ Pra mim
existe “bora ser humano”!/ Por
isso que eu chego pro
freestyle!/ Agora... na rima eu
digo: “fora com a opressão!”./
Racismo e preconceito na
minha sociedade,/ me deixam
indignado com a própria
convicção! (Mc Snout, nov
2022).
A partir da apropriação de uma
linguagem coloquial marcada pela
presença de gírias (“Geral”,
“panguando”, “mano”, “bora”),
característica acentuada das letras de
rap, do slam e das batalhas de rimas,
Mc Snout posiciona-se contra a
misoginia, em “Não tem mulher...não
tem homem macho”, com isso
podemos interpretar que uma
defesa da igualdade de gêneros. Na
sequência, o referido Mc ainda rejeita
qualquer forma de opressão e finaliza
expressando sua total indignação e sua
reprovação em relação ao preconceito
e ao racismo, nos versos “Racismo e
preconceito na minha sociedade, / me
deixam indignado com a própria
convicção!”.
Nessa perspectiva,
consideramos que as batalhas de rimas
na “modalidade conhecimento” (uma
vez que existem outras modalidades)
são práticas de um tipo de linguagem
poética mais democrática e
acreditamos que sua inserção na
escola seja muito importante, visto que
a linguagem coloquial dos Mc’s,
associada aos beats e ao freestyle, e,
ainda, considerando, sobretudo, os
seus estilos pessoais, conseguem
expressar suas identidades culturais.
Sendo assim, constatamos que este
estilo de poesia, comumente, de
poetas-Mc’s mais jovens, consegue
despertar fortemente a atenção de
adolescentes e/ou de jovens.
Acreditamos que há, portanto, uma
identificação maior. Além disso, esta
poesia considerada mais “marginal-
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SOUSA, Leomar; TESTA, Eliane. As batalhas de rimas improvisadas do
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letramento de reexistência da juventude periférica. PragMATIZES -
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periférica” pode levar os estudantes ao
gosto pelas rimas, podendo despertar-
lhes o gosto pela prática da leitura de
poemas e até mesmo da escrita
literária.
Salientamos que, as habilidades
de improvisação dos Mc’s, que se o
a partir de temáticas livres, ritmadas por
um beat instrumental, parece-nos ser o
fator que mais chama a atenção dos
espectadores. A progressão das rimas
apresentadas pelos Mc’s parece
corresponder à expectativa das
pessoas na plateia sobre qual dos dois
poetas-improvisadores conseguirá se
sobressair na performance poética-oral
do improviso.
Os sentidos enunciados por Mc
Lemes e por Mc Snout, na batalha de
rimas em evidência, denotam que
esses eventos de improvisações
poéticas, principalmente nos ambientes
escolares, podem contribuir para uma
leitura crítico-social da realidade em
que adolescentes e jovens são
instigados a refletirem e a expressarem
suas percepções, ao mesmo tempo em
que são motivados a exercerem
atitudes de reexistência frente às
adversidades presentes em seus
contextos de vivências sociais.
Considerações finais
A experiência de inserir os Mc’s
na escola em momentos de interação
com os estudantes por meio das
batalhas de rimas improvisadas foi uma
iniciativa muito significativa de
valorização da poética oral produzida
por esses jovens poetas urbanos, que,
em práticas de letramentos de
reexistência, enunciam em suas rimas
suas vivências e suas leituras críticas
acerca dos contextos sociais em que
estão inseridos, e que são capazes de
perceber as situações de
vulnerabilidades que por vezes são
presentes nesses contextos.
Consideramos que a presença
dos Mc’s na escola, na condição de
colaboradores realizando batalhas e
oficinas de rimas, foi muito relevante
sobretudo em virtude da boa
receptividade dos alunos para com
eles. Assim, foram vivenciados bons
momentos de interação a partir da
apreciação das rimas improvisadas
enunciadas pelos Mc’s, de modo que
os alunos puderam perceber a
expressividade poética dessas rimas e
foram instigados a vivenciarem a
poesia de outras formas e perspectivas
diferentes.
Referências
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SOUSA, Leomar; TESTA, Eliane. As batalhas de rimas improvisadas do
movimento Hip-Hop no Parque Cimba, em Araguaína-TO: práticas de
letramento de reexistência da juventude periférica. PragMATIZES -
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