V.23, nº 50 - 2025 (janeiro-abril) ISSN: 1808-799 X
COMUNIDADES FORTES: UMA QUESTÃO DE CLASSE, RAÇA E ETNIA PARA A
AFIRMAÇÃO DE MODOS DE VIDA EM RONDÔNIA, NA AMAZÔNIA BRASILEIRA.
1
William Kennedy do Amaral Souza
2
Mônica do Carmo Apolinário de Oliveira
3
Marcel Emeric Bizerra de Araujo
4
4
Doutor em Agronomia e Sistemas de Produção pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), São Paulo
- Brasil. Professor no Instituto Federal de Rondônia (IFRO). E-mail:
marcel.emeric@ifro.edu.br.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7135812811807570. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6238-5477.
3
Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista - Unesp. Professora no Instituto Federal de
Rondônia (IFRO). E-mail:
monica.oliveira@ifro.edu.br. Lattes: http://lattes.cnpq.br/7101240616054654.
ORCID:
https://orcid.org/0000-0001-5165-7211
.
2
Doutor em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói - Brasil. Professor no Instituto
Federal de Rondônia (IFRO) - Brasil. E-mail:
william.souza@ifro.edu.br.
Lattes:
http://lattes.cnpq.br/0703023274968708. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6271-9422
.
1
Artigo recebido em 14/01/2025. Primeira Avaliação em 16/01/2025. Segunda Avaliação em 21/01/2025.
Aprovado em 27/03/2025. Publicado em 09/04/2025. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v23i50.66491.
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Começando a conversa
A luta pelo acesso à terra é parte vital da luta por direitos da classe trabalhadora.
Na Amazônia, essa luta se mostra extremamente dura, afinal, o empresariado
capitalista vinculado à mineração e ao agronegócio, quer dominar esta que é a maior
floresta tropical do mundo. E essas tentativas de dominação são sempre feitas com
violência.
Constantemente, terras indígenas, reservas extrativistas, reservas naturais e
florestas nacionais (todas sobre a proteção da União) são ameaçadas e invadidas por
agromilícias. Nessas invasões, tentam expulsar as pessoas que vivem nos territórios.
Como principais operadores da violência estão agentes privados que se designam
fazendeiros, agromilícias e grupos de pistoleiros que atuam sob encomenda. E, como
explicou Matos (2021) estão com muita força:
Na Amazônia brasileira, um empoderamento das agromilícias
mercenárias no exercício de um poder paralelo nas disputas por terra,
madeira e minério nas áreas públicas e nos territórios comunitários. Nas
ações desses grupos ligados ao mundo “agro” está embutida as
conspirações maniqueístas (“trabalhadores” versus “preguiçosos”,
“progresso” versus “atraso” etc.,) daqueles que estão à procura do
inimigo em comum. (MATOS, 2021, p.859).
Para combater a violência e manter povos e comunidades tradicionais e
camponeses em seus lugares é necessário fortalecer os modos de vida. Souza afirma
que modos de vida podem ser entendido como:
(...) conjunto de práticas sociais, econômicas e culturais cotidianas
compartilhadas por um determinado grupo social no processo de
produção da vida material e simbólica. Como expressão da cultura,
respeito aos costumes, tradições, valores, crenças e saberes que
orientam as normas de convivência na vida familiar, no trabalho e em
âmbito comunitário. Relaciona-se às maneiras de produzir, consumir e
distribuir os frutos do trabalho, tendo em conta as formas de sentir e
pensar a vida e o mundo. Os modos de vida manifestam as relações que
homens e mulheres trabalhadoras, mediadas pela memória coletiva e
por experiências vividas e herdadas, estabelecem entre si e com o
território em que produzem sua existência. (SOUZA, 2020, p. 131).
2
Com o intuito de fortalecer os modos de vida, o Instituto Federal de Rondônia
desenvolve o projeto Comunidades Fortes, que articula pesquisa, extensão e
desenvolvimento científico-tecnológico e tem como objetivo analisar, fomentar e ampliar
os circuitos produtivos das comunidades, tendo em vista a possibilidade de agregar
valor aos produtos. O apoio inclui a realização de cursos, oficinas, assistência
especializada e a compra de equipamentos. Tais ações têm a intenção de manter os
modos de vida e os povos tradicionais em seus territórios e, por consequência, manter
a floresta em pé.
o ensaio, tem o objetivo de apresentar imagens
5
e comentários sobre as
ações nas comunidades que são apresentadas na figura abaixo:
5
Todas as imagens apresentadas foram feitas pela equipe do projeto Comunidades Fortes.
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Aldeia Panorama, Terra Indígena Karipuna, Distrito de União Bandeirantes.
Mosaico de fotos: painéis de energia fotovoltaica; novo local de moradia em fase de construção
das casas; prensa antiga a ser substituída e forno antigo a ser substituído.
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Mosaico de fotos: canoas a beira do Jaci Paraná e reunião com a comunidade.
5
Ao longo da história - muito possivelmente - os Karipuna foram o povo mais
atacado e dizimado em Rondônia, sendo um grupo que quase foi extinto. Os ciclos de
extração da borracha e a construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré contribuíram
para isso. Depois vieram os projetos de assentamento rural da década de 70 do século
passado. O resultado foi que em 2004 havia quatorze sobreviventes. Hoje são 60
pessoas que possuem seu próprio Território e procuram protegê-lo das constantes
invasões.
Às margens do rio Jaci Paraná, a comunidade Karipuna sofre com a ação de
garimpos ilegais que exploram o fundo do rio. Além desses, também invasores que
coletam castanhas e madeiras. ainda, aqueles que invadem o território tentando se
apossar de parte dele.
Por ser o rio Jaci Paraná afluente do rio Madeira, a comunidade também sofreu
reflexos da construção das usinas de Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira. Houve uma
grande cheia que alagou o antigo local de moradias, obrigando-os a construírem novas
casas em local mais elevado. E, apesar da construção das usinas, a comunidade
depende de geradores de energia fotovoltaica que, quase nunca, recebem manutenção
da concessionaria de energia elétrica.
Na comunidade Karipuna, os circuitos produtivos apoiados são do açaí e da
farinha de mandioca. Foram adquiridos equipamentos para uma nova “casa de farinha”.
No caso do açaí, foi adquirida uma despolpadeira, máquina que acelera o processo de
extração da polpa desse fruto, além de peneiras especiais, mesa seletora e máquina
para embalamento a vácuo. Também foram adquiridos equipamentos de uso geral, tais
como micro trator, motosserra e roçadeira. Também o acompanhamento de
especialistas nesses circuitos que, em diálogo com a comunidade, definem ações e
métodos para melhorar a produção.
Com a comunidade foi realizado o curso de Inglês Instrumental
6
, para
entenderem o que os/as turistas estrangeiros(as) falam e será realizado o curso de
Manutenção de Sistemas Fotovoltaicos, pelo motivo que já expusemos acima.
6
Neste, e em todos os casos, os cursos foram escolhidos pelas comunidades, a partir de suas
necessidades cotidianas.
6
Aldeia Nova Esperança, Terra Indígena Igarapé Ribeirão, Nova Mamoré.
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Mosaico de fotos: a artesã Joelda fabricando e expondo na capital do estado; a matriarca em
seu bosque; a artesã Célia em seu labor e morador da aldeia com filhotes de mutum.
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Mosaico de fotos: a casa de farinha ao lado do igarapé e a molecada em constante interação.
A aldeia Nova Esperança é povoada pelos OroEo, que é um subgrupo da etnia
Wari'. Cada subgrupo tem um nome. São hoje os OroNao, os OroEo, os OroAt, os
OroMon, os OroWaram e os OroWaramXijein (oro é uma partícula coletivizadora, que
pode ser traduzida como 'povo', 'grupo').
cerca de 3 anos, o povo Oro Wari das Terras Indígenas Igarapé Lage e
Igarapé Ribeirão convive com a soja quase que a adentrar o quintal de suas casas. O
avanço paulatino do grão, em um movimento de substituição de pastagens pela
plantação dessa oleaginosa, trouxe consigo o problema do uso dos agrotóxicos na
lavoura. Esse avanço ainda traz uma enorme pressão sobre esses territórios, pois é aos
poucos e por suas margens que grandes empreendimentos agrícolas invadem a
paisagem do lugar. Invadem a paisagem e invadem a Terra Indígena tentando se
apossar de seus recursos e sobretudo do próprio território.
A Terra sofre também com a ação de madeireiros e extrativistas clandestinos que
vem roubar castanha do brasil e açaí.
Na comunidade Nova Esperança, os circuitos produtivos apoiados são do açaí e
da farinha de mandioca. Assim como na comunidade Karipuna, estão sendo adquiridos
equipamentos para uma nova “casa de farinha”.
No caso do açaí, também foi adquirida uma despolpadeira, máquina que acelera
o processo de extração da polpa desse fruto, além de peneiras especiais, mesa
seletora e máquina para embalamento a vácuo. Além dos equipamentos o
acompanhamento de profissionais especialistas nesses circuitos que, em diálogo com a
comunidade, definem ações e métodos para melhorar a produção.
Na comunidade também há artesãs que produzem cestarias a base de palhas de
coqueiro e artesãos que fabricam biojóias. Ambas as atividades estavam “paradas”. O
projeto organizou ações de exposição e comercialização levando as artesãs e os
artesãos em eventos acadêmicos na capital, Porto Velho e isso trouxe novo impulso
para a atividade. Agora as pessoas da aldeia voltaram a ter uma rotina de fabricação do
artesanato e estão conseguindo vendê-lo. Com a comunidade serão realizados os
cursos de Informática Básica e de Auxiliar de Agroecologia.
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Aldeia Linha 26, Terra Indígena Igarapé Lage, Nova Mamoré.
Mosaico de fotos: preparando a estação experimental; o cacique e o extensionista no roçado de
mandioca; montando a despolpadeira de açaí e um caititu veio “supervisionar” o trabalho da
pesquisadora.
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Mosaico de fotos: processo rudimentar de produção de farinha de mandioca e as bolsistas
apresentando o projeto da nova casa de farinha.
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Assim como a aldeia Nova Esperança, a aldeia da Linha 26 é povoada pelos
Wari'. Mas aqui reside o subgrupo OroMon. Também como na Nova Esperança, na
Linha 26 as pessoas são alegres e receptivas sempre nos saudando com um awina,
palavra que na língua Txapakura para além de um simples bom dia, traduz um
sentimento de que “me sinto bem porque você veio aqui”.
E, também como na Nova Esperança, as mazelas da Linha 26 são as mesmas:
avanço das monoculturas (sobretudo a soja), ação de madeireiros, invasores que
extraem açaí e castanha do brasil e posseiros querendo tomar o Território.
Na comunidade Nova Esperança, os circuitos produtivos apoiados são do açaí e
da farinha de mandioca. Assim como nas outras comunidades, estão sendo adquiridos
equipamentos para uma nova “casa de farinha”. Com um diferencial: também será
construída uma nova casa de farinha. O projeto tem a sorte de contar entre as bolsistas
com uma professora e duas alunas do curso de Arquitetura e Urbanismo e elas se
encarregaram de projetar a construção.
No caso do açaí, também foi adquirida uma despolpadeira, máquina que acelera
o processo de extração da polpa desse fruto, além de peneiras especiais, mesa
seletora e máquina para embalamento a vácuo. Além dos equipamentos o
acompanhamento de profissionais especialistas nesses circuitos que, em diálogo com a
comunidade, definem ações e métodos para melhorar a produção. Inclusive, para o
circuito produtivo da mandioca, o especialista em conjunto com a comunidade, montou
uma estação experimental com manivas-sementes que prometem uma qualidade
superior que são fruto de pesquisa da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(Embrapa).
Com a comunidade foi realizado o curso de Informática Básica e a comunidade
pretende divulgar melhor seus produtos na internet.
Essa comunidade também nos chama a atenção porque é nela em que a
criançada se mostra mais afeita ao diálogo e as brincadeiras conosco. Em nossas
tarefas, frequentemente somos acompanhados pelas crianças, que estão sempre
sorridentes, a nos impulsionar. Aliás, característica marcante nas comunidades
indígenas que atendemos, as crianças participam de toda e qualquer tarefa com os
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adultos, seja uma atividade na roça ou uma reunião para decisão coletiva. As crianças
têm vez e voz.
Reserva Extrativista do Rio Ouro Preto, Guajará-Mirim.
Mosaico de fotos: o extrativista Edvaldo nos explica os problemas que enfrentam para a
extração de óleos essenciais; equipe e extrativistas em frente ao barracão de óleos essenciais;
a equipe em campo (nesse caso, na água) e atravessando um “braço” do rio.
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Mosaico de fotos: vista aérea da Base do Pompeu e as canoas são as unidades básicas de
transporte.
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A Reserva Extrativista Rio Ouro Preto foi umas das quatro primeiras unidades de
uso sustentável a serem criadas no Brasil. Está localizada nos municípios de
Guajará-Mirim e Nova Mamoré. A partir de Guajará-Mirim, chega-se à Reserva pelos
rios Mamoré e Ouro Preto ou por estrada, através de um ramal de 40 Km que leva até o
“Lago do Pompeu” às margens do rio Ouro Preto. Com uma área aproximada de
204.583 ha, a RESEX do Rio Ouro Preto limita-se ao Norte com a Terra Indígena Lage
e o Parque Estadual de Guajará-Mirim; a Leste com a Terra Indígena Uru-eu-wau-wau;
a Sul e Oeste com a Reserva Biológica Estadual do Rio Ouro Preto e a Floresta
Estadual Extrativista do Pacaás Novos, formando assim o maior bloco de área
protegida em Rondônia.
O marco para a criação da Reserva Extrativista do Rio Ouro Preto pode ser
tomado como o I Encontro dos Seringueiros de Guajará Mirim, realizado em fevereiro
de 1989, para discutir os problemas dos seringueiros do município e escolher
delegados para o II Encontro Nacional dos Seringueiros. O encontro contou com a
participação de 278 seringueiros, dos quais 167 eram do Rio Ouro Preto, além de
representantes de entidades governamentais e não-governamentais.
A vida na RESEX caracteriza-se por certo grau de isolamento. Por outro lado,
também se caracteriza pela presença da reciprocidade, com o estabelecimento de
relações de troca e intenso convívio entre os moradores locais, que se manifesta pela
“camaradagem”, “compadrio”, e pela ajuda mútua, principalmente entre membros de
famílias extensas e vizinhos. Em muitas localidades da reserva ainda hoje ocorre a
prática de trabalhos coletivos, tanto para atender demandas referentes a espaços de
uso comum (limpeza de “furos”, caminhos, etc), quanto para demandas individuais ou
familiares (construções e trabalhos de roça, etc).
Na Resex, o projeto encontra certa dificuldade por conta do tamanho da área. É
difícil chegar em todas as colocações. Os circuitos produtivos apoiados são do açaí e
da farinha de mandioca, com a compra de equipamentos e a assessoria de
profissionais especialistas nestes circuitos produtivos.
Com a comunidade serão realizados os cursos de Produtor de Mandioca e de
Agente de Desenvolvimento Cooperativista.
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Comunidade Remanescente do Quilombo de Porto Rolim, Alta Floresta d’Oeste.
Mosaico de fotos: vista da chegada na comunidade; a igreja Católica é a grande expressão
religiosa nas comunidades ribeirinhas de Rondônia. os barcos transportam tudo e o rio também
abriga casas.
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Mosaico de fotos: Uma comunidade feita de quilombolas e indígenas os barcos transportam
tudo, até mesmo a Medicina.
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A comunidade remanescente do quilombo de Porto Rolim está localizada na
confluência dos Rios Mequéns e Guaporé. Seu acesso imediato se pelo Rio
Mequéns. Possui uma população de aproximadamente mil quinhentas e trinta (1.530)
pessoas, segundo estimativas informais de moradores locais. O Censo 2022,
identificou, no entanto, um total de cento e quinze (115) remanescentes quilombolas, no
município de Alta Floresta D’Oeste, ao qual o povoado pertence na condição de distrito.
Território ainda não titulado, no entanto, possui, desde janeiro de 2006, pela Portaria nº
02, da Fundação Cultural Palmares, a certificação como Terra Remanescente de
Quilombo.
Em Porto Rolim, grandes dificuldades para a atuação do projeto. O território é
disputado entre remanescentes quilombolas e indígenas da etnia Wajuru, tendo
fazendeiros sulistas no meio fomentando essa disputa. É uma situação que muito nos
entristece pois é sabido que os dois povos em disputa têm parentesco entre si, pois foi
prática comum na região o fato de um homem quilombola casar-se com uma mulher
Wajuru.
Como a nossa abordagem é centrada na empiria e no diálogo, isto é, o ir a
campo para a escuta da comunidade, a equipe Comunidades Fortes apresentou a
possibilidade de atender tanto os remanescentes quilombolas quanto os Wajurus,
lembrando que a intenção do projeto é beneficiar, de fato, as comunidades tradicionais,
ou seja, que o orçamento aplicado, pelo projeto, seja capaz de potencializar alguns dos
processos produtivos locais e a partir daí, em discussão coletiva, apontar o que será útil
para as atividades desenvolvidas comunitariamente no povoamento.
Nesta comunidade estamos apoiando os circuitos produtivos do turismo de pesca
e de polpa de frutas com os remanescentes quilombolas e o circuito produtivo do açaí
com os/as indígenas Wajurus. Como nas outras comunidades estamos comprando
equipamentos e fomentando o seu uso para a ampliação da produção dos itens citados.
Com a comunidade serão realizados os cursos de Agente de Desenvolvimento
Cooperativista e, no caso desse curso, serão alunos e alunas representando tanto os
remanescentes quilombolas quanto os indígenas e o curso de Condutor de Turismo de
Pesca com a comunidade quilombola.
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Comunidade Remanescente do Quilombo de Pedras Negras, São Francisco
d’Oeste.
Mosaico de fotos: pôr do sol com as pedras que dão nome a comunidade; a igreja com sua
imponente torre; nada de forno elétrico, aqui é à moda antiga e a canoa que virou canteiro.
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Mosaico de fotos: Primeiro a estrada depois o rio, que também é estrada e os meandros do
Guaporé.
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Assim como em Porto Rolim, a comunidade remanescente do quilombo de
Pedras Negras não tem acesso terrestre. Para chegar em Pedras Negras precisamos ir
até o porto de Santa Rita e de viajar em barco durante 7 horas. Entre as
comunidades atendidas pelo projeto, Pedras Negras é a comunidade com maior
dificuldade logística. Ela está localizada à margem direita do Rio Guaporé e tem uma
população estimada em oitenta e quatro pessoas divididas em vinte e seis famílias. O
território não é titulado, porém, a portaria 28, do INCRA, de 10 de abril de 2023, em
seu Art. 1º, reconhece e declara “como terras da Comunidade Remanescente de
Quilombo Pedras Negras, a área de 43.911,1000 hectares”.
Por conta desse isolamento, em Pedras Negras percebe-se a manutenção de
práticas culturais que remontam a ancestralidade do lugar, o que pode ser observado
na manutenção dos saberes tradicionais, sobretudo em alguns aspectos para a cura de
enfermidades e na prática da pesca que é a principal atividade produtiva do lugar.
Importante lembrar que o rio Guaporé, onde se encontra a comunidade é divisa
natural entre o Brasil e a Bolívia e para os/as moradores(as) da região estar em contato
com as comunidades do país vizinho é interessante porque proporciona além da
miscigenação, uma intensa troca de saberes.
Para o Quilombo de Pedras Negras, que desenvolve intensa atividade turística
de pesca, a discussão gira em torno da formação para qualificar os guias de turismo de
pesca e que ainda potencializasse a atividade de pousadas da comunidade. Pedras
Negras recebe muitos turistas adeptos da pesca esportiva. Quase sempre chegam de
avião em voos fretados. A comunidade tem se preparado no sentido de receber os
turistas, mas ao mesmo tempo se manter enquanto comunidade tradicional que preza
pela sua história. Além do circuito produtivo do turismo de pesca, o projeto apoia
também o circuito produtivo do urucum. Pedras Negras tem uma grande produção de
colorau, girando em torno de 30% do produto consumido em Rondônia.
Com a comunidade serão realizados os cursos de Agente de Recepção e
Reserva de Meios de Hospedagem e o curso de Condutor de Turismo e Pesca.
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Para continuar pensando
As atividades do projeto têm um alcance significativo no contexto rondoniense ao
atuar como potencializador de sustentabilidade e de permanência de povos e
comunidades tradicionais em seus territórios ancestrais.
Desse modo, os comentários aqui panoramicamente postos, alinham-se
diretamente com o debate sobre a luta por território e os desafios para reconhecimento
dos espaços ocupados por comunidades tradicionais. As ações executadas e em
processo de execução, pelo projeto Comunidades Fortes, atuam de modo a consolidar
as estruturas produtivas locais, que possibilitam a resistência e permanência dos
indivíduos em seus territórios. Em paralelo, estimula medidas e corrobora com
características comuns dessas comunidades, entre elas a sustentabilidade a partir da
relação ser humano - natureza.
Analisamos as relações seres humanos/natureza mediadas pelo trabalho, em
que os moradores das comunidades realizam sua reprodução material e imaterial,
apropriando-se da natureza, mas sem perder o necessário respeito com ela. Logo, esse
grupo de trabalhadores produz e mantém um saber diferenciado sobre a natureza que
deve ser observado e reproduzido se quisermos que a Amazônia continue viva.
Baseado na memória, esse saber é diferenciado. Por isso Toledo e Barrera-Bassols são
aqueles que nos alertam que:
Torna-se necessário volver o olhar para os povos originários, tradicionais
ou indígenas, em cujos modos de vida materiais e imateriais é
possível encontrar a memória da espécie. E é nessa memória que está
boa parte das chaves para decifrar, compreender e superar a crise
dessa modernidade, ao reconhecer outras formas de conviver entre nós
e com os outros entre os modernos e os pré-modernos e entre os
humanos e os não humanos, isto é, a natureza ou as culturezas.
(TOLEDO E BARRERA- BASSOLS, 2015, p. 18).
E precisamos levar em conta que todas as comunidades em que o projeto atua,
estão sob ataque de toda sorte de invasores, sejam grileiros, madeireiros, garimpeiros
ou posseiros. Entendemos que fortalecer os circuitos produtivos traz a possibilidade de
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aumento da renda desses trabalhadores e trabalhadoras e, por consequência, a chance
de ficar no território aumenta. Com o povo em seu território, a floresta ganha vida.
Os povos e comunidades tradicionais que, em sua maioria vive com pouco
desenvolvimento de suas forças produtivas são um grande exemplo da força que tem a
intenção humana.
Não tomamos palavras finais ou conclusivas, mas concordamos com Bartra
Vergés quando este afirma a importância desses povos para a manutenção do próprio
planeta.
Tanto camponeses como os indígenas têm muito o que contribuir com
esses desafios. Não é mero acaso que no fim de um século escarnecido
pelo liberalismo tosco e pelo capitalismo selvagem os olhares se voltem
para a comunidade agrária, para alguns hábitos antigos de respeito a
natureza, para a velha propensão a tecnologia leve, para as reservas de
economia moral e o que nos resta dos sistemas de redistribuição e apoio
mútuo, bem como para as perseverantes formas de governo
participativas e consensuais. [...] Em todo caso, é certo que se os
indígenas fracassarem todos nós seremos derrotados, e se os
camponeses perderem, também perderemos todos. (BARTRA VERGÉS,
2011, p.89).
Por conta disso, entendemos que seja extremamente necessário colaborar na
luta e na defesa dos povos originários e dos camponeses e camponesas.
Referências
BARTRA VERGÉS, A. Os novos camponeses: leituras a partir do México profundo.
São Paulo: Cultura Acadêmica; Cátedra Unesco de Educação do Campo e
Desenvolvimento Rural, Coleção Vozes do Campo, 2011.
MATOS, L R de. A Amazônia na virada global da extrema direita. Ciência Geográfica
- Bauru - XXV - Vol. XXV - (3): janeiro/dezembro – 2021.
SOUZA, W K do A. Trabalho-Educação, Economia e Cultura em Povos e
Comunidades Tradicionais: A (Re) Afirmação de Modos de Vida como Forma de
Resistência. 2020. Tese (Doutorado em Educação) Faculdade de Educação,
Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2020.
TOLEDO, V; BARRERA-BASSOLS, N. Memória biocultural - a importância ecológica
das sabedorias tradicionais. São Paulo: Expressão Popular. 2015.
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