V.23, nº 50 - 2025 (janeiro-abril) ISSN: 1808-799 X
MARXISMO NEGRO. PENSAMENTO DESCOLONIZADOR
DEL CARIBE ANGLÓFONO.[Daniel Montañez Pico]
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Prof. Dr. Fábio Nogueira
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A obra Marxismo Negro, pensamento descolonizador do Caribe anglófono, de
Daniel Montañez Pico, professor da Universidade Complutense de Madri,
inscreve-se em um esforço de renovação da teoria crítica e do pensamento
marxista. O livro está dividido em apresentação, sete capítulos em que apresenta os
conceitos-chave e seus respectivos autores e um capítulo final.
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Professor Adjunto da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) - Brasil, Coordenador do Ija Imo
Grupo de Estudos do Marxismo Negro “Clóvis Moura” do DEDC/UNEB e da Rede Nacional do
Marxismo Negro (@marxismo_negro). E-mail:
fnogueira@uneb.br.
Lattes:
http://lattes.cnpq.br/1337791602547816. ORCID: http://orcid.org/0009-0008-9622-9737
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Resenha recebida em 03/02/2025. Aprovado pelos editores em 02/03/2025. Publicado em
09/04/2025. DOI:
https://doi.org/10.22409/tn.v23i50.66447.
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A apresentação do livro é importante no sentido de contextualizar as veredas
que levaram a Daniel Montañez, um pesquisador espanhol, ao pensamento de
pensadores marxistas negros caribenhos, que tem uma produção intelectual
bastante vasta e sofisticada, mas que, infelizmente, tanto na Europa como no Brasil,
são poucos conhecidos. O caráter histórico da produção deste pensamento
entremeado aos conflitos políticos e a geopolítica do Caribe de língua inglesa – é um
excelente ponto de partido para situarmos como estas ideias vieram a lume como
elas nos ajudam, até hoje, a pensar a relação entre capitalismo e racismo. Logo em
seguida, o livro trata dos autores e suas principais contribuições teóricas tendo como
referência o pensamento marxista.
O primeiro capítulo trata do conceito de sistema mundo de Oliver Cox, autor
nascido em Trinidade e Tobago e radicado nos Estados Unidos, onde fez carreira
acadêmica. Apesar do caráter prolífico e renovador das obras de Cox
principalmente por rivalizar com a Escola Sociológica de Chicago e sua aplicação
equivocada do conceito de castas para entender a dinâmica das relações raciais
estadunidenses a sua tese sobre a dominância do comércio internacional e a
centralidade divisão internacional do trabalho (a partir do escravismo) na
conformação do capitalismo como sistema-mundo, é ainda um feito atribuído
erroneamente a Immanuel Wallerstein (o que o próprio inclusive reconhecia).
O segundo capítulo é dedicado ao conceito de imperialismo para George
Padmore e C.L.R James. Padmore é um importante intelectual marxista vinculado à
Revolução Russa de 1917, tendo colaborado inclusive para a Teses sobre a questão
negra (1922), da Internacional Comunista e manteve-se à frente, por delegação
desta, do The Negro Worker, publicação da
International Trade Union Committee of
Negro Workers, nos anos 1930. Distanciou-se da Internacional e abraçou uma
perspectiva pan-africana socialista e revolucionária, tendo influenciado a
Kwame
Nkrumah, líder da independência de Gana do domínio britânico. CRL James, por
sua vez, mais conhecido entre nós por seu clássico Jacobinos Negros (1933),
desenvolveu uma perspectiva do internacionalismo negro proletário, unindo as lutas
anticoloniais e dos trabalhadores em luta contra o imperialismo. Assim como Lênin,
também foram críticos das perspectivas evolucionistas e reformistas da
Social-Democracia, na Europa, algo que era viabilizado pela super-exploração do
trabalho nas colônias e ex-colônias fora daquele continente (África, Ásia, Américas e
Caribe).
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O terceiro capítulo é dedicado a Eric Williams e como para o autor o comércio
triangular que prevaleceu no período da escravidão foi condição para o pleno
desenvolvimento das forças produtivas na Europa, em especial, na Inglaterra, e não
o contrário. Williams inverte os termos do etapismo – em que o capitalismo surge na
Inglaterra, em sua conformação clássica, para se universalizar e reproduzir em
outros cantos do planeta. A tese do autor de Capitalismo e escravidão (1944) é um
ponto de virada importante para a compreensão da complexidade do
desenvolvimento do capitalismo, de uma perspectiva internacional. Além disso,
coloca a centralidade do capitalismo na formação e na história do próprio capitalismo
que não pode ser compreendido, desta maneira, sem as redes de comércio
escravizado transatlântico que uniu África, Américas, Caribe e Europa.
Até mesmo por isso, os capítulos quatro e cinco, estão articulados
diretamente como o segundo. Se o escravismo foi funcional à formação do
capitalismo, é preciso entender a que tipo de relação produção ele se relacionou no
contexto caribenho e dos países da periferia capitalista. É por isso que, no capítulo
4, Lloyd Best e George Beckford são apresentados como autores que aprofundaram
o entendimento da economia de plantation e da relação entre plantation e
subdesenvolvimento. Geralmente se fala em plantation como uma etapa já superada
na história do desenvolvimento econômico no Brasil. Mas será isso real? Não é
possível enxergar paralelos entre o atual crescimento do agronegócio e a
correspondente destruição dos recursos naturais como a tendência a plantation
inscrita no modelo de desenvolvimento capitalista? A situação do Brasil e da
América Latina seriam assim tão diferentes do que se passa nos países caribenhos?
Como um modelo de desenvolvimento baseado no monopólio da terra, a destruição
dos recursos naturais e a exploração de mão de obra emerge a racialização da força
de trabalho algo que Walter Rodney e Stuart Hall vão apresentar como a
contradição permanente deste regime de exploração no capítulo 5. Isso porque para
estes autores, raça não é pensada apenas como um acidente, mas toda uma
ideologia em sua essência colonial a partir da qual se reproduzem as relações
de poder e opressão. Para Rodney, muito vinculado às teses cepalinas e em diálogo
com a teoria marxista da dependência, a racialização é um dado permanente do
regime de exploração capitalista, que não apenas justifica, mas se vale deste, como
realidade vivida, dentro do processo de alienação, para estabelecer-se enquanto tal.
Daí a importância da luta antirracista e do poder negro nos processos de superação
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da ordem capitalista. Já, em Stuart Hall, a racialização teve como efeito a criação de
um “mundo cultural negro”, em uma perspectiva gramsciniana, que, por sua vez, é
elemento de disputa contra-hegemômica. Hall entende a centralidade da cultura e do
cultural enquanto construção histórica, ligado às condições específicas do sujeito
racializado na diáspora e tem, ao seu lado, elementos contraditórios que pode se
valer para estabelecer outras formas de poder e processos de emancipação.
Por fim, no capítulo 6, Daniel Montañez nos apresenta o pensamento de
Rhoda E. Reddock sobre mulheres, raça e classe no Caribe. É esta perspectiva do
feminismo afro-caribenho que Reddock enfatiza partindo de uma crítica dos modelos
de interpretação que excluem o fato de como a feminização da força de trabalho no
Caribe não pode ser pensada sem sua correlata racialização. Para tal, parte da
história da formação da plantation em Trinidade e Tobago, seu país de origem,
estabelecendo que racialização e feminização da força de trabalho condicionaram os
processos de luta e emancipação sendo, portanto, não elementos acessórios, mas
estruturais à compreensão da dinâmica de classes. Infelizmente, neste capítulo o
pensamento de Reddock não está muito bem relacionado com a de outras autoras
caribenhas e a contribuição destas ao pensamento das feministas radicais negras
estadunidenses. Um ponto de articulação, por assim dizer, é a trajetória de Cláudia
Jones (1915-1964), também nascida em Trinidade e Tobago, e que terá um papel
extremamente importante ao aliar a luta feminista negra ao pensamento socialista de
sua época, além do fato de ter atuado no Caribe e Estados Unidos (de foi expulsa
por sua militância comunista, radicando-se na Inglaterra).
No capítulo final (Capítulo 7), Daniel apresenta as teses conclusivas, um
esforço de sistematização do pensamento destes marxistas negros em teses
teóricas, históricas e políticas, assim como, um resumo das trajetórias deles e de
suas principais obras de referência. Aqui o autor procura responder possíveis
críticos de que o que ele chama de marxismo negro seria apenas um encontro
acidental de autores e pensadores que, por uma contingência história, escreveram a
respeito da relação entre raça e capitalismo. O que afirma Daniel aponta em sentido
contrário: existe uma tradição do marxismo negro, no sentido de um conjunto de
obras e produção que, mesmo não se tornando uma escola, guardam elementos
comuns e contribuições originais a teoria crítica. Afinal, em um mundo intelectual em
que se digladiam gramscinianos, lukcatianos, mezaristas, leninistas e afins, por que
não se falar de marxismo negro? A pergunta, portanto, é que se é possível falar em
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marxismo negro fora do contexto do caribe anglófono e englobar autores como
Franz Fanon, Aimé Cesaire, Clóvis Moura, Lélia Gonzalez, entre tantos outros.
Apesar do caráter sintético do capítulo final e da forma como os capítulos são
ordenados – que tem mais relação com apresentar autores que são, em sua maioria,
infelizmente desconhecidos e marginalizados no âmbito da teoria crítica – o objetivo
final não é o de separar e colocar em caixas hermeticamente fechadas, intelectuais
e seus respectivos conceitos, mas localizar os pontos de convergência da teoria
marxista a partir de seus contextos específicos de produção, a saber, o Caribe de
língua inglesa. Desta maneira, é necessário mergulhar na complexidade do
pensamento caribenho e sua contribuição à teoria marxista desde autores mais
conhecidos como Eric Williams e CRL James a teóricos menos conhecidos, entre
nós, como George Beckford e Rhoda E. Reddock. A obra de Daniel Montañez é,
portanto, uma contribuição extremamente necessária à renovação da teoria crítica
desde uma perspectiva dos marxismos do Sul Global. Que surjam outros estudos no
sentido de aprofundar, entre o público brasileiro, o conhecimento deste pensamento.
Referência
MONTAÑEZ PICO, D. Marxismo Negro. Pensamento descolonizador del Caribe
anglófono. São Paulo: Editora Dandara, 2024.
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