V.23, nº 50 - 2025 (janeiro-abril) ISSN: 1808-799 X
“NO DIA 14 DE MAIO SAÍ POR AÍ”:
FAVELA ENTRE RESISTÊNCIAS E SUBORDINAÇÃO[1]
Renan Silva Gomes[2]
Letícia Batista Silva[3]
Marcos Vinícius Ribeiro de Araújo[4]
Resumo
Este ensaio discute criticamente território e racismo na precariedade da vida, a partir de dados das favelas e da população negra. Assim, realizou-se um breve resgate das categorias marxianas, da teoria marxista do desenvolvimento desigual e combinado, bem como abordagem sobre a formação social brasileira e a questão racial para compreender a dinâmica deste processo. Conclui-se que é preciso superar ideias de avanço da favela sem mudança do sistema capitalista, situando-a como condição para existência da exploração e ao tempo mesmo espaço de resistência dos setores subalternizados.
Palavra-chave: Formação social brasileira; racismo; favela.
“EL 14 DE MAYO SALÍ PARA ALLÁ”: FAVELA ENTRE LA RESISTENCIA Y LA SUBORDINACIÓN
Resumen
Este ensayo analiza críticamente el territorio y el racismo en la precariedad de la vida, a partir de datos de las favelas y de la población negra. De esta forma, se realizó una breve revisión de las categorías marxistas, de la teoría marxista del desarrollo desigual y combinado, así como un acercamiento a la formación social brasileña y a la cuestión racial, para comprender la dinámica de este proceso. Se concluye que es necesario superar las ideas del avance de la favela sin cambiar el sistema capitalista, colocándola como condición para la existencia de la explotación y al mismo tiempo un espacio de resistencia para los sectores subalternizados.
Palabra clave: Formación social brasileña; racismo; favela
“ON MAY 14TH I WENT OUT THERE”: FAVELA BETWEEN RESISTANCE AND SUBORDINATION
Abstract
This rehearsal critically discusses territory and racism in the precariousness of life, based on data from favelas and the black population. Thus, a brief review of Marxist categories, the Marxist theory of uneven and combined development, as well as an approach to Brazilian social formation and the racial issue was carried out to understand the dynamics of this process. It is concluded that it is necessary to overcome ideas of favela advancement without changing the capitalist system, placing it as a condition for the existence of exploitation and at the same time a space of resistance for subalternized sectors.
Keywords: Brazilian social formation; racism; favela
Introdução
A questão racial no Brasil está intimamente ligada à questão da terra, refletida na condição da propriedade privada, concretizada nos grandes latifúndios e na posição do país na divisão internacional do trabalho, mas também, e por consequência, na massa de despossuídos e explorados, que foram historicamente empurrados para as margens sociais, que a depender dos parâmetros de referência pode-se considerar inclusive fora delas.
Este processo pode ser constatado por meio da distribuição de raça/cor, no qual proprietários e herdeiros das terras e ocupantes de espaços e territórios privilegiados são majoritariamente identificados como brancos e não brancos. Ou seja, pretos, pardos e indígenas ocupam de forma subalternizada territórios onde a reprodução da vida material e simbólica se faz em condições de precariedade, seja no campo ou na cidade.
Assim, quando nos detemos aos centros urbanos brasileiros, as favelas podem ser compreendidas como verdadeiros territórios negros, cuja determinação histórica, política e social o constitui como um espaço entre resistências e subordinação.
O surgimento do que chamamos de favela se dá por volta de 1895 no município do Rio de Janeiro, quando ex-combatentes[5] da Guerra de Canudos ocupam lotes no Morro da Providência e constroem casa pequenas e precárias (Oliveira, 1985; Valladares, 2000). Historicamente, não se tratava de uma escolha habitacional, mas a única possibilidade para famílias e pessoas que não tinham meios mínimos para inserção no que se poderia chamar de cidade formal. A origem da favela significou um duplo movimento: uma forma de resistência, mas também uma expressão da cisão e da desigualdade social brasileira.
Conforme o documento Censo Demográfico 2022 - Favelas e Comunidades Urbanas Resultados do universo (2024), foram identificadas em território nacional 12.348 favelas e comunidades urbanas em 656 municípios. Há 16.390.815 de pessoas residentes em 6.556.998 domicílios, o que em termos populacionais, equivale a 8,1% da população do país. Comparando com o Censo anterior, em 2010 foram identificadas 6.329 favelas e comunidades urbanas, onde residiam 11.425.644 pessoas, ou seja 6,0% da população do país naquele ano. A favela com suas casas precárias tornou-se, ao longo do tempo, a vivenda de um determinado grupo de pessoas.
Atualmente a favela mais populosa é a Rocinha, no Rio de Janeiro (RJ), cerca de 72.021 moradores, seguida por Sol Nascente, em Brasília (DF), com 70.908 habitantes; Paraisópolis, em São Paulo (SP), com 58.527 pessoas e Cidade de Deus/Alfredo Nascimento, em Manaus (AM), com 55.821 moradores. Nas favelas brasileiras, 9.312.353 pessoas se declararam pardas, 56,8% do total da população residente nesses territórios, 2.643.871 milhões (16,1%) se declararam pretas. Considerando como negro a soma de pardos e pretos, o percentual seria de 72,9%. Outras 4.362.998 milhões (26,6%) se declararam brancas, 0,1% (16.470 pessoas) se declararam amarelas e de indígenas foi de 0,8% (136.272 pessoas). Quando comparamos a distribuição de raça/cor na favela com o resultado para a população total do Brasil o que se observa é que a proporção de pardos (56,8%) e pretos (16,1%) é superior aos percentuais observados para a população total, respectivamente 45,3% e 10,2%. Nesses mesmos territórios, 26,6% das pessoas se declaram brancas, quando olhamos para a proporção das pessoas residentes no total da população brasileira o percentual que se declararam brancas é de 43,5%. A favela tem cor e essa não é uma constatação descritivas, mas sim a expressão de um processo histórico, social e econômico.
Portanto, para compreender como território, racismo, pobreza e violência se articulam provocando efeitos deletérios aos corpos negros e ao mesmo tempo promovendo o privilégio das camadas burguesas na sociedade brasileira, é fundamental resgatar categorias marxianas juntamente com uma análise marxista do desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo que permita analisar as contradições que conformam a realidade. Entretanto, é necessário, ainda, se debruçar sobre a formação social brasileira, localizando a questão racial como parte essencial do processo de desenvolvimento, expansão e manutenção da dominação capitalista no Brasil, definindo a sua posição de dependência.
Trabalho, ideologia e classe social: bases para pensar a produção e reprodução da vida na sociedade contemporânea
A configuração da sociedade contemporânea forjada no modelo econômico capitalista organiza e sistematiza as relações sociais, pautando-se na organização da vida social dos diferentes sujeitos inseridos nesta sociabilidade. Tal modelo, para que a sua eficácia seja plena, funda-se sobre um esquema ideológico que exprime uma forma de dominação social, a partir da divisão de classes e da separação do meio técnico de trabalho entre os detentores dos meios de produção e os que trabalham a serviço dele (Marx; Engels, 2015).
No arcabouço dessa dominação, encontram-se fundamentos históricos provenientes de mudanças no formato no qual a sociedade se organizava, que permitiu que se alcançasse um grau de organização social tal qual conhecemos hoje. Estes mecanismos instituídos e operacionalizados pela dimensão ideológica são capazes de nos explicar os fundamentos dos nossos comportamentos em diversos âmbitos das nossas vidas: na forma como os indivíduos se organizam em família, como são estabelecidas as suas relações com o local onde residem, como funcionam as instituições pertencentes ao funcionalismo político e econômico, como os indivíduos compreendem o lugar que ocupam nesta sociedade, e, também, como a violência é perpetuada.
Na obra marxiana o trabalho é uma categoria medular e indispensável para a compreensão do ser social e das relações. A ontologia marxiana é uma ontologia materialista e histórica, possibilitando a compreensão da sociedade em movimento, para além das chamadas leis naturais características da economia clássica[6]. A crítica à economia política realizada por Marx ao longo de sua vida produziu, dentre outros aspectos, a concretização dos fatos econômicos, sendo estes alçados e analisados em face da totalidade das relações sociais. Marx demonstrou que o movimento do real se dá na totalidade das relações sociais, desnudando assim uma lógica acadêmico-burguesa de análise “científica” de fenômenos isolados.
É na obra A Ideologia Alemã – escrita por Marx e Engels entre os anos de 1845-1846 (Tonet, 2009) – onde são explicitados pela primeira vez os fundamentos do materialismo histórico-dialético. Marx e Engels apresentam uma concepção de história conectada com o processo de produção material. Afirmam que:
Essa concepção da história assenta, portanto, no desenvolvimento do processo real da produção, partindo logo da produção material da vida imediata, e na concepção da forma de intercâmbio intimamente ligada a esse modo de produção e por ele produzida, ou seja, a sociedade civil nos seus diversos estágios, como base de toda a história, e bem assim na representação da sua ação como Estado, explicando a partir dela todos os diferentes produtos teóricos e formas de consciência – a religião, a filosofia, a moral etc. etc. – e estudando a partir destas o seu nascimento; desse modo, naturalmente, a coisa pode também ser apresentada na sua totalidade (e por isso também a ação recíproca dessas diferentes facetas umas sobre as outras). [...] a força motora da história, também da religião, da filosofia e de todas as teorias, não é a crítica, mas sim a revolução (Marx; Engels, 2009, p. 57-58).
Queremos destacar que a questão central não é a característica especulativa e interpretativa da filosofia, mas as contradições postas no mundo real e as repercussões dessas contradições nas relações humanas. Relações humanas que na perspectiva marxiana são relações sociais e historicamente construídas, a partir dessa concepção que abordamos o tema favela e questão racial. Como aponta Marx:
O concreto é concreto porque é a síntese de muitas determinações, portanto, unidade da diversidade. Por essa razão, o concreto aparece no pensamento como processo da síntese, como resultado, não como ponto de partida, não obstante seja o ponto de partida efetivo e, em consequência, também o ponto de partida da intuição e da representação (Marx, 2011, p. 54).
E, nessa lógica de totalidade, estão incluídos os elementos econômicos como peças fundamentais para a apreensão do movimento do real na produção e reprodução da sociedade burguesa, assim como as suas formas de precarização das condições de vida, como o caso dos territórios de favela.
Nas palavras de Iamamoto e Carvalho “a produção social não trata de produção de objetos materiais, mas de relação social entre pessoas, entre classes sociais que personificam determinadas categorias econômicas” (Iamamoto; Carvalho, 2014, p. 36). Pensando os sentidos do materialismo histórico, Frigotto assevera:
Na perspectiva materialista histórica, o método está vinculado a uma concepção de realidade, de mundo e de vida no seu conjunto. A questão da postura, neste sentido, antecede ao método. Este constitui-se numa espécie de mediação no processo de apreender, revelar e expor a estruturação, o desenvolvimento e transformação dos fenômenos sociais (Frigotto, 2001, p. 77).
Em seus estudos Marx (1985) apresenta que, ao longo da história da humanidade, com o aumento da produção de riquezas, fator emergente da transformação de dinheiro e mercadoria em capital, ocorreu uma divisão social e técnica do trabalho entre os homens, compreendida como classe social. As relações capitalistas emergem pela separação entre a propriedade privada dos meios de produção e a força de trabalho, sendo estes pressupostos imprescindíveis para a organização da sociedade, tendo como pontos basilares a necessidade de sujeitos antagônicos:
[...] duas espécies bem diferentes de possuidores de mercadorias se confrontassem e entrassem em contato, aqueles que possuem dinheiro, meios de produção e meios de subsistência que se propõem a valorizar a soma-valor que possuem mediante a compra de força de trabalho alheia, e aqueles que são trabalhadores livres, vendedores de sua força de trabalho e assim, vendedores de trabalho (Marx,1985, p. 262).
No desenvolvimento capitalista encontramos um conjunto de mudanças ocorridas ao longo de sua história, entretanto sua lógica permanece a mesma: a necessidade de valorização do valor, acompanhada de crises cíclicas (Mandel, 1982). Esse processo contínuo de valorização tem por base a exploração da força de trabalho de uma amplíssima maioria de indivíduos que para subsistir precisam vendê-la, pois sem a venda de sua força de trabalho não possuem meios para subsistir. Essa é a única forma de existir dos indivíduos que pertencem a classe trabalhadora, ou melhor, as classes trabalhadoras. Esse plural é a afirmação de que há diferenças no interior da classe trabalhadora, seu aspecto constante é a exploração da força de trabalho, mas há diferenças nas condições de vida e trabalho. Queremos aqui afirmar que o processo histórico do desenvolvimento do capitalismo no Brasil teve e tem como uma de suas marcas a questão racial.
Extratos sobre Formação Social Brasileira e Questão Racial
O Brasil no processo de expansão e recrudescimento do capitalismo está situado na dita periferia global, conceituação perpetuada a partir do contexto sócio-histórico e geográfico de país assentado como colonizado e subalternizado em detrimento das ditas potências econômicas. A estruturação da sociedade brasileira foi pavimentada com base na opressão e exploração de classe, raça e gênero, via expropriação cultural do modo de viver e pensar.
Como ponto de partida, aqui dialogamos com Lênin (2011) e Trotsky (2007) a partir da concepção da categoria Desenvolvimento Capitalista Desigual e Combinado para realizarmos interpretações sobre a conformação do Estado brasileiro. Lênin, uma figura de grande importância na Revolução Russa, ao se aproximar do marxismo e debruçar-se acerca da sociabilidade capitalista - analisando o momento histórico do seu tempo, pensando a Rússia e a Europa - elabora a Lei do Desenvolvimento Desigual. Em síntese, o autor afirmava que o modo de produção capitalista não seguia uma lógica etapista, se desenvolvendo nos diferentes territórios - países, continentes, regiões - de forma desigual, não existindo um padrão de igualdade na forma do desenvolvimento. Trotsky, por sua vez, vai incorporar o termo “combinado” à teoria de Lênin, dando origem à nomenclatura Desenvolvimento Desigual e Combinado. Para Trotsky, a incorporação de Combinado era de grande importância para exemplificar que, na lógica capitalista, a desigualdade não é algo “natural”, uma vez que o próprio modelo produz tais desigualdades, portanto, é combinado.
Para o autor os países ditos atrasados, periféricos, subdesenvolvidos, poderiam absorver referências e conformações de países “mais desenvolvidos” sem passar pelo processo e grau de desenvolvimento dos mesmos. Nas palavras de Florestan Fernandes (1995, p. 119-120) Trotsky ao complementar Lenin sobre o Desenvolvimento Desigual e Combinado “estabeleceu que, em sociedades atrasadas, as classes trabalhadoras e destituídas podiam acelerar o processo histórico, desempenhando as tarefas negligenciadas ou repelidas pelas classes proprietárias”.
Portanto, a concepção de Desenvolvimento Desigual e Combinado demonstra que o avanço capitalista desvela o ideário de linearidade e etapismo para atingir um grau de desenvolvimento. Tal categoria aponta, de acordo com Novack (1988) para: “o seu primeiro aspecto se refere às distintas proporções no crescimento da vida social. O segundo, a correlação concreta desses fatores desigualmente desenvolvidos no processo histórico” (Ibidem, 1988, p. 9). Logo, Novack (1988) exemplifica que, as estratégias que o capitalismo utiliza para se desenvolver mundialmente será totalmente desigual, haja vista a sua natureza contraditória. Um grande exemplo que podemos observar está nas discrepâncias socioeconômicas entre os diferentes países do globo, contudo, podemos observar tais incompatibilidades dentro de um mesmo país e região, Novack (1988, p. 26) expõe que: “essas desigualdades são a expressão específica da natureza contraditória do progresso social e da dialética do desenvolvimento humano”.
Michael Löwy nos apresenta que a Lei do Desenvolvimento Desigual e Combinado contribui “como uma das tentativas mais significativas de romper com o evolucionismo, a ideologia do progresso linear e o eurocentrismo” (Löwy, 1998, p. 73), denotando que tal conceito possibilita analisarmos o desenvolvimento dos mecanismos capitalistas entre os países centrais e periféricos como sistema econômico mundial.
Alinhado a este campo teórico, a partir do diálogo firmado sobretudo com Marx, Lenin e Trotsky, Florestan Fernandes ao analisar a formação sócio-histórica brasileira vai classificar que o país está inserido no capitalismo dependente. Esta modalidade revela que o capitalismo, quer seja na Europa ou nos demais continentes, não emergem de forma equânime, ao contrário, os ditos países subdesenvolvimentos defrontam-se com uma dominação burguesa permanente que “não faz história através da revolução nacional e de sua aceleração. Mas, ao contrário, pelo caminho inverso, de sua contenção e esvaziamento” (Fernandes, 1995, p. 126). Logo, Fernandes exemplifica que, a condição do capitalismo no Brasil dar-se não na busca pela autonomia do crescimento econômico do Brasil no cenário capitalista, e sim, fomentando as condicionantes do capitalismo periférico. Ou seja, Fernandes elucida que a burguesia brasileira é débil internacionalmente, e forte internamente. Em suas palavras,
Assim, para atingir seus fins, a dominação burguesa dissocia a revolução econômica da revolução política, o que faz com que a revolução burguesa fique representando um deslocamento totalitário do poder de classe, que elimina, de fato ou de direito (ou de fato e de direito), o resto da sociedade do espaço político e suprime os ritmos turbulentos da história, proscrevendo o conflito social (Fernandes, 1995, p. 126).
O capitalismo dependente vai apresentar o que Fernandes classifica como arcaização do moderno e modernização do arcaico (Fernandes, 1973, 1980, 1995), ou seja, um movimento desigual que combina elementos estruturais e elementos dinâmicos, que para Fernandes vão se manifestar no tempo e no espaço. Sob esta interpretação o autor apresenta que o Brasil é marcado por um “capitalismo selvagem”, subtipo de dominação com traços globais, mas que apresenta fenômenos internos agudizados, na qual a burguesia interna centraliza o silenciamento dos povos indígenas, negros, assalariados, na qual os setores mais marginalizados são alocados como inimigos da ordem (Fernandes, 1995). Tais movimentos são introjetados sob uma perspectiva de condição colonial permanente, que para Fernandes (1973) faz com que a mentalidade burguesa brasileira surja guiada da mentalidade do senhor rural, pautada e moldada pelo extermínio, exploração, expropriação, subordinação e controle social, sob a égide do domínio econômico, social, político e cultural. Nesse sentido,
[...] o tipo de capitalismo constituído na América Latina, que floresceu graças à modernização do arcaico, atinge a era da industrialização em grande escala e da exportação de produtos industrializados explorando com intensidade a arcaização do moderno. A inovação parece ser a regra: a ‘nova mentalidade industrial’ as ‘novas estruturas econômicas’ a ‘política para o desenvolvimento’ etc. são novos símbolos e orientações de valores dessa era. Todavia, a inovação incrusta-se em uma realidade socioeconômica que não transformou ou que só transformou superficialmente, já que a degradação material e moral do trabalho persiste e com ela o despotismo nas relações humanas, o privilegiamento das classes possuidoras, a superconcentração da renda, do prestígio social e do poder, a modernização controlada de fora, o crescimento econômico dependente (Fernandes, 1973, p. 41-42).
Silva e Campos (2022) dialogando com Florestan Fernandes salientam que os sentidos que pautam a continuidade da dependência no Brasil são inerentes à condição de uma burguesia local subordinada e menor, que possui uma relação de classe interna caracterizada pela exploração do excedente econômico, sendo ambas as características “atravessadas por violências sistemáticas cometidas contra trabalhadores e trabalhadoras” (Silva; Campos, 2022, p. 16). A burguesia brasileira internamente vai constituir-se pelo que Florestan Fernandes identifica como um padrão compósito de hegemonia burguesa:
Por isso tal padrão de hegemonia burguesa anima uma racionalidade extremamente conservadora, na qual prevalece o intento de proteger a ordem, a propriedade individual, a iniciativa privada, a livre empresa e a associação dependente, vista como fins instrumentais para a perpetuação do superprivilegiamento econômico, sociocultural e político (Fernandes, 1973, p. 108).
Este padrão compósito de hegemonia burguesa pavimenta os caminhos de associação ao imperialismo[7], que fomenta o padrão dual de expropriação do excedente econômico, tal dimensão é fruto do caráter conservador e de subordinação que ao superexplorar trabalhadores e trabalhadoras faz com que a riqueza produzida coletivamente seja repartida entre a burguesia interna, a brasileira, e a burguesia internacional. Ou seja, a acumulação capitalista brasileira é caracterizada por dimensões estruturais que não se constituíram capazes de sustentar um desenvolvimento autônomo, e marcada pela não ruptura com as estruturas coloniais, no qual o Brasil atravessou uma transição - da economia colonial para o capitalismo - de forma heterogêneas e anacrônicas (Fernandes, 1968).
Lima (2022) aponta que a burguesia brasileira recicla os aspectos coloniais e redefinem a dependência por meio de suas ações antissociais e antinacionais. Para a autora podemos identificar o caráter débil “na incapacidade de condução de uma revolução burguesa que garanta a aceleração do crescimento econômico; a eliminação de privilégios pré-capitalistas e a democratização da renda, do prestígio e do poder, ações constitutivas da própria racionalidade burguesa” (Lima, 2022, p. 119). Na contramão da sua subalternidade internacional, a classe dominante brasileira é forte “para conduzir internamente um padrão de expropriação e de hegemonia que resulte em uma acumulação de capital espoliativa” (Lima, 2022, p. 119).
Negô Bispo em sua obra “A terra dá, a terra quer” faz uma analogia sobre o quanto o processo colonialista estruturou as relações, transformando os sujeitos e suas expressões cotidianas, cultural, do trabalho, da fala, aos moldes da dominação. Para Bispo (2023) colonizar é sinônimo de adestrar, fazendo alusão ao adestramento dos bovinos o autor expõe que a colonização atuou na remoção da identidade e incorporação de um modo de viver alheio. Portanto, é evidenciado que no caso brasileiro há um processo dual - inconcluso e contínuo - acerca das raízes colonialistas, bem como uma “modernidade” capitalista que não esteve associada ao “progresso” no sentido clássico, haja vista a condição de um capitalismo com desenvolvimento desigual e combinado, e a condição brasileira de dependência intensificada por uma burguesia local na manutenção de seus privilégios. Como processualidade histórica, a desigualdade estrutural e a violência contra a população negra, indígena, “os de baixo”, são expressões dessa sociabilidade na qual a burguesia desumaniza o “diferente”, alocando-os como não sujeito e dessa forma evidenciando que “o sujeito não é o homem, o sujeito é o valor, a mercadoria e o dinheiro” (Jorge, 2022, p. 147).
O Brasil com suas marcas estruturais de um processo de colonização que constituiu um país sob um ideário de submissão, dominação e extermínio das classes trabalhadoras, especialmente de seus extratos empobrecidos. Dentre outros aspectos, tal cenário constituiu-se tendo como alicerce uma sociedade escravocrata, marcada pela importação compulsória de africanos de seus territórios em África, alocando-os na condição de sujeitos desprovidos de qualquer humanidade, sendo animalizados e passíveis de qualquer forma de controle, punição e repulsa.
A sociedade escravocrata brasileira exacerbou as tensões no campo das desigualdades sociais já inerentes à forma como constituiu-se este Estado-nação, expressos entre os senhores de engenho e os africanos escravizados[8]. Fanon (2008) nos apresenta subsídios para uma melhor interpretação do processo de subalternização da população negra, que constitui fundamentos para a escravização. Segundo o autor, emerge uma hierarquização da existência, que se desdobra em duas zonas: a ‘do ser’, e a ‘do não ser’. Apontando que o ser é branco, e o não ser é “uma região extraordinariamente estéril e árida, uma rampa essencialmente despojada, onde um autêntico ressurgimento pode acontecer. A maioria dos negros não desfruta do benefício de realizar esta descida aos verdadeiros Infernos” (Fanon, 2008, p. 26). Logo, a zona do não ser é onde a desumanização alcança. Esta desumanização fomenta que o “não ser” está passível da destruição, e, portanto, ao alocar como o avesso da humanidade os equiparando com animais. O processo de animalização dos escravizados é evidenciado na consolidação de legislações que os consideravam propriedades dos senhores, e destituídos de integridade estavam sob condições semelhantes, e por vezes até piores, dos animais que os senhores detinham.
O arcabouço desta discussão, evidencia que o colonialismo forja relações violentas e desumanizante, estabelecendo, desde sempre, a superioridade do branco colonizador em relação aos povos originários e aos negros sequestrados de África. Nesse sentido, o Brasil é historicamente marcado pela diáspora africana, séculos de escravização legalizada formalmente, e um processo de “liberdade” dos escravizados que não veio associado a alocação destes sujeitos como cidadãos. O não reconhecimento de estruturas e processos violentos e racistas desemboca na abstenção de reparação histórica, política e socioeconômica por parte dos aparelhos do Estado. Carregamos em nosso histórico o título de último país da América Latina a abolir legalmente o sistema escravocrata, e entre os últimos do globo a abdicar de tal sistema, nos classificando como Escravismo Tardio (Moura, 1994), indo na contramão do que mundialmente vinha se construindo acerca de tal discussão, mantendo o mercado de compra e venda de escravizados no interior do território nacional, e a perseguição às expressões de resistência e luta no país.
Moura (1994) apresenta em seus estudos que o escravismo em terras brasileiras está categorizado em dois momentos, uma fase denominada Escravismo pleno (1550-1850) caracterizado “pelo fato das relações de produção escravistas dominarem quase totalmente a dinâmica social, econômica e política” (Moura, 1994, p.48). E o Escravismo Tardio, período de transição para a emergência do capitalismo dependente, a partir de 1850, tem como marco a Lei Eusébio de Queirós (1850)[9], que foi promulgada devido a uma pressão externa, principalmente da Inglaterra, na qual criou-se normas de contenção do tráfico internacional de escravizados.
Dialogando com acervos culturais que se alinham à arte crítica, como ponto de diálogo para desenvolvermos sobre a questão racial no Brasil, aludimos a obra “Um Defeito de Cor”, da escritora Ana Maria Gonçalves. Tal obra foi homenageada como samba-enredo da Portela, Escola de Samba do Rio de Janeiro, no ano de 2024. O escrito desenvolvido pela autora é um romance ficcional que alude a cenários históricos importantes sobre a sociedade escravista. A obra não é enquadrada no gênero romance histórico pelo Romantismo da Literatura brasileira, contudo, a autora reproduz acontecimentos e debates essenciais sobre a cultura negra e sobre as perversidades no período escravocrata. O intuito aqui não é fazer uma síntese sobre o enredo, partiremos dos elementos políticos, sociais e culturais presentes na obra, que são importantes registros sobre a construção dos conflitos individuais e sociais do negro no Brasil, na relação opressor e oprimido, e “livres” versus “escravos”.
Ana Maria Gonçalves, numa entrevista realizada ao Canal TV Cultura[10] apresenta que a nomenclatura “defeito de cor” é retratada na história do Brasil por meio de um decreto do período colonial em que impedia a população negra de ocuparem cargos vistos como de protagonismo, historicamente reservado aos brancos, a autora remete a cargos militares e eclesiásticos, por exemplo. Tal legislação alude a uma subalternização formalizada em decreto por via de uma categorização racial, exacerbando uma cultura de fomento da exploração do trabalho da população negra, processo imprescindível para acumulação de riquezas.
O decreto colonial exigia que negros que desejavam desempenhar tais papeis enviassem uma solicitação a autoridade competente solicitando dispensa do “defeito de cor”, apontando que havia bons antecedentes e reconhecia sua condição em detrimento das profissões reservadas aos brancos. Aqui, evidencia-se, que na prática do cotidiano do período escravocrata permeou-se a violência do poder estatal e do poder privada, agindo harmonicamente sob a lógica da disciplina da força do trabalho escravizado, uma política de poder com agentes da esfera dominante e a esfera estatal pautada na criminalização do segmento negro. Nas palavras de Ianni (2004, p. 116): “toda uma cultura se produziu durante a Colônia e o Império valorizando o senhor, branco, administrador, proprietário, político, intelectual, bispo, general, em detrimento do escravo, negro, trabalhador [...]”.
Em “Um Defeito de Cor”, a personagem protagonista Kehinde ao narrar sua história, seja no continente africano ou no Brasil, relata os dilemas da vida de cativa. A autora Ana Maria Gonçalves tenta apresentar que o processo de escravização não foi homogêneo e linear, a partir dos dilemas presentes na obra ela expõe os contextos diferenciados vividos por homens escravizados e mulheres escravizadas, por escravizados domésticos e os das senzalas, mas não exclui um elemento importante: o sadismo dos senhores e capatazes via violências desumanas demonstrando o poder e em nome de uma disciplina do trabalho. A personagem alude a condição ao qual os negros eram enquadrados, sendo postos na condição de irracionais e destituídos de alma. Registros históricos demonstram as inúmeras crueldades aplicadas a população negra durante este período, e o livro escancara os diversos mecanismos de suplício, como anavalhamento dos corpos, marcação do corpo com ferro, fratura dos dentes, extração das unhas, amputação de membros do corpo, os estupros das mulheres negras escravizadas, as correntes, máscaras de flandres[11], além dos troncos públicos que transformaram os castigos em espetáculos.
Os cenários nefastos denotam que o negro no Brasil, marcado por um legado da escravidão, é alocado numa condição de opressão permanente, sob a ótica dominante reatualizam-se um projeto nacional em que transformam a repressão e opressão desta população, exacerbando a desigualdade racial no país. Ianni nesta perspectiva, nos apresenta que:
O escravo era expropriado no produto de seu trabalho e na sua pessoa. Nem sequer podia dispor de si. Era propriedade do outro, do senhor, que podia dispor dele como quisesse, declará-lo livre ou açoitá-lo até a morte. A contrapartida, na perspectiva do escravo, era o suicídio; a tocaia contra o senhor, membros da família deste e capatazes; rebelião na senzala; fuga; formação de quilombo; saques; expropriação. Não havia dúvidas sobre a situação relativa de um e outro, escravo e senhor, negro e branco. Não se abria nenhuma possibilidade de negociação. A questão social estava posta de modo aberto, transparente (Ianni, 2004, p. 102).
De forma sintética, Ianni (2004) apresenta que o antagonismo racial posto no contexto do período escravista desencadeia toda estrutura das desigualdades que constituem o processo histórico do Brasil, demonstrando que as estruturas sociais arcaicas tinham a subalternização negra como base de sustentação. A modernização readequou os elementos estruturais antigos, de forma a atender seus interesses e como forma de autopreservação de seus privilégios, sendo o ponto de conexão entre “arcaização do moderno e modernização do arcaico” (Fernandes, 1973, 1980, 1995) exposto nas condições da população negra no pós-abolição. Silva e Campos remetem que “a colonização do Brasil e o trabalho realizado por homens, mulheres e crianças negras escravizadas, compareceram com ativos incrementais na acumulação capitalista” (Silva e Campos, 2022, p. 294).
Carvalho (2002) ao debruçar-se nos estudos sobre a consolidação da cidadania no Brasil, expõe que “o fator mais negativo para a cidadania foi a escravidão” (Carvalho, 2022, p. 19). Os escravizados não detinham a condição de cidadãos, não tinham seus direitos básicos. O autor aponta que o processo que desencadeou na abolição da escravidão em 1888 teve uma alteração importante no que tange ao progresso da cidadania, pois a abolição incorporou os ex-escravizados aos direitos civis. Contudo, tal inserção foi incompleta, apresentando uma formalidade da “liberdade”, mas que gerou poucas mudanças na condição de garantia efetiva de reparação à população negra, e, também, marcas em todas as dinâmicas da cidadania no território brasileiro, já que a mesma é um fenômeno complexo e historicamente definido (Carvalho, 2002).
Considerando os apontamentos de Fernandes (1973), não houve uma relação dinâmica entre capitalismo e descolonização, logo, a raiz escravocrata colonial forja os cenários de consolidação e continuidade de uma cultura ideológica sobre o negro, que redesenha as relações sociais brasileiras, no entanto, mantendo a polarização social da estrutura. A modernização da subalternização negra possibilita ao capitalismo a reafirmação da exploração e opressão, retroalimentando o “não lugar” - numa interpretação crítica, o ‘não lugar’, é na verdade, o lugar combinado e estruturado pela lógica sistêmica - sobre a população negra.
Os que detinham prestígio social que assistiam o processo de ruptura formal do escravismo centraram-se nas seguintes inquietações: “duas coisas preocupavam a esse bloco de poder: o problema da mão de obra e o problema da terra” (Moura, 1994, p. 99). Acerca da mão de obra negra alinhou-se o ideário de importação de trabalhadores estrangeiros europeus em nome de uma punição aos ex-escravizados. A vinda de imigrantes não assegurava as vantagens tal como a do trabalho escravizado, contudo, ainda assim lhes daria lucro. No que tange à posse de terras, era classificado como fundamental estratégias de “conservar-se a terra na posse dos mesmos proprietários e dificultar-se a sua aquisição por parte de outros grupos, que poderiam dividir o poder com ele (...)” (Moura, 1994, p. 99). O cenário descrito alude que houve um processo planejado que acarretasse um pós-abolição de negação de direito à população negra ex-escravizada, dentre as quais o não acesso à terra e ao trabalho, elementos imprescindíveis para reprodução da vida, desenhando um lugar social inferiorizado, forjando o embrião ‘moderno’ dos discursos de preguiçosos, pouco produtivos, classe perigosa e responsáveis pela própria miséria.
Nos estudos de Moura (1994) nos é apresentado outro elemento fundamental acerca da realidade da população negra com a abolição, que está na divergência das condições de vida, culturais e sociais dos ex-escravizados e dos imigrantes recém-chegados. Moura expõe que os europeus imigrantes partiam de um lugar social privilegiado em detrimento da população negra. O imigrante foi definido como um trabalhador superior, sujeito marcado por virtudes e culturalmente assemelhado à elite local. E o negro como um trabalhador inferior e destituído de cultura e identidade (Moura, 1994).
A ruptura do período escravocrata não pôs fim a repressão direcionada aos corpos negros. O cenário de desigualdade configurou novas relações sociais e tensões no ordenamento espacial das cidades. Destituídos de habitação, trabalho e demais condições de reprodução material da vida, a população negra passa a integrar a paisagem social e espacial das cidades de forma acentuada. Se antes estes ocupavam as cidades sob a lógica de efetivar trabalhos a mando de seus senhores, o novo cenário era atravessado pelos negros como pessoas em situação de rua, ocupantes de cortiços, realizando subemprego e ocupando a paisagem das cidades, escancarando a pauperização e desigualdade.
As intervenções adotadas, estas pautadas no discurso de criminalização, denominava-os como uma classe perigosa em ascensão, foram alocadas como um problema de polícia e repressão, sob a ótica do discurso de “paz social” tendo os princípios da “Lei e da ordem”, generalizando um ideário associativo de negros a um problema de violência. Logo, as práticas incorporadas no pós-abolição instituem os mecanismos de legitimação das diferenças raciais, na qual exacerbam a segregação e estratificação social, mantendo e expandindo o privilégio da elite. Nas palavras de Ianni (2004, p. 139), “visto em perspectiva ampla, é possível dizer que o debate sobre a problemática racial aparece como uma espécie de exorcismo”.
Outro elemento de destaque para o pensamento de Moura (1994) está na política de miscigenação estabelecida no Brasil, pautada no intuito de embranquecimento da população, no qual “[...] considerando-se o indivíduo ou grupo tanto mais valorizado socialmente quanto mais próximo estivesse do ideal tipo étnico imposto pelo colonizador, inicialmente, e pelas elites do poder em seguida: o branco.” (Moura, 1994, p.150). Esta concepção ideológica, que dialogou com estudiosos de uma base biológica racista - uma pseudociência - intensificou a hierarquização dos estratos não brancos em diversas gradações. Tendo como simbologia o branco como modelo de ideologia físico, moral, cultural e intelectual ideal, e como antimodelo o negro. Atribuindo valores racializados ao processo miscigenatório no Brasil, categorizando quanto mais perto do branco como um ideal racial superior, e quando mais próximo do negro, alocado como inferior.
Gonzalez (1984) apresenta que na perspectiva da sulbaternização, a branquitude afirma cotidianamente que os negros localizam-se na lata de lixo da sociedade brasileira. Tal ponto de vista é ancorado sobre o aparato da classificação da diversidade humana em raças distintas. Nesse sentido, o racismo como mecanismo de introjeção e disseminação da dominação, como modus operandi da hegemonia do grupo racial dominante, neste caso, a elite branca.
A raça, a racialização e o racismo são produzidos na dinâmica das relações sociais, compreendendo as suas implicações políticas, econômicas, culturais. É a dialética das relações sociais que promove a metamorfose da etnia em raça. A “raça” não é uma condição biológica como a etnia, mas uma condição social, psicossocial e cultural, criada, reiterada e desenvolvida na trama das relações sociais, envolvendo jogos de forças sociais e progressos de dominação e apropriação. Racionalizar uns e outros, pela classificação e hierarquização, revela-se inclusive uma técnica política, garantindo a articulação sistêmica em que se fundam as estruturas de poder (Ianni, 2004, p. 23).
Os mecanismos ideológicos racistas estão profundamente entrelaçados nas condições de vida, uma herança histórica rígida e estrutural que influenciam no contexto da sociedade atual. O mito da democracia racial vendeu a ideia de que no Brasil não há racismo, assunto basilar para pensarmos a construção da concepção de que “todos somos igualmente respeitados independente de sua cor”, uma falácia que gera uma distorção nas relações raciais. Os estigmas e estereótipos sobre a população negra são representações que muito impactam nas relações sociais. Ao produzir e disseminar tais arquétipos contribui-se na difusão de uma subalternidade social, estética e com obstáculos subjetivos e coletivos como: a imagem do homem negro e da mulher negra sexualizados, como objetos sexuais apartados da possibilidade do amor e afeto; o negro subserviente, aquele obediente e servil; a negra ridicularizada, sendo personagens midiáticos e/ou fantasias, por vezes interpretados por blackface[12]; o negro não escolarizado, personagens negros sempre retratados no subemprego ou na condição de empregado subalternizado; o negro bandido, reforçando que pessoas pretas, pobres e de periferias pertencem a criminalidade. A reprodução de que as favelas - territórios majoritariamente negros - são reduzidos a espaços naturalmente violentos e que todos que ali estabelecem suas condições de vida são associados ao crime; dentre outras representações que são intensificadoras de uma discussão negativa e racista que recaem sobre a população negra.
A construção do Estado brasileiro consolidado via racismo provocou a falta de aparatos de garantia de renda e trabalho, condições de moradia, obstáculos no acesso a bens e serviços, e a ampliação de uma cultura punitivista sobre estes corpos, especialmente os pertencentes aos territórios de favela.
Desigualdades sociais em dados: a construção do passado reverberando no tempo presente
Ianni (2004, p. 109) nos apresenta que há estudos acerca da problemática social que desconsidera a interação entre indicadores sociais e econômicos, sob o ideário que os segmentos pauperizados possuem incapacidade ou negligência, fruto da fatalidade e não responsabilidade. Tal perspectiva, no Brasil, muito apoiada em Hélio Jaguaribe, com o “dualismo social”, vai apontar para “dois brasis”, onde tem-se de um lado uma sociedade industrial avançada e que progride; e de outro lado uma sociedade primitiva, que vive nos padrões semelhantes ao mundo rural ou comparáveis a sociedades ‘atrasadas’. Ianni ao tecer a crítica aos “dois brasis” nos aponta que existe a necessidade de historicizar as diferentes expressões de desigualdades, e ao realizar tal exercício, nos é evidenciado que o atrasado e o moderno se alimentam mutuamente. Dialogando com Florestan Fernandes, afirma-se que há uma interação entre o arcaico e o moderno, e portanto, intrinsecamente ligadas. Para Ianni, o equívoco é tratar como sociedades heterogêneas, “estranhamente", no entanto, explica esse “dualismo” sem demorar-se nas suas reciprocidades. Nem sequer alude a que um é condição do outro” (Ianni, 2004, p. 110).
Daqui, apoiado nos estudos de Ianni (2004) sobre a criminalização da questão social, resgataremos alguns dados para examinar mais profundamente as desigualdades sociais, partindo da concepção que “É enganoso sugerir que os “dois” brasis pouco ou nada tem a ver um com o outro (Ibidem, p. 112). É importante salientar que a propriedade privada capitalista forja o pauperismo, e as condições históricas de opressão e exploração ditam uma dicotomia social, mas que não são apartadas, são estrategicamente entrelaçadas.
Quando se criminaliza o “outro”, isto é, um amplo segmento da sociedade civil, defende-se, mais uma vez, a ordem social estabelecida. Assim, as desigualdades sociais podem ser apresentadas como manifestações inequívocas de “fatalidade”, “carências”, “heranças”, quando não “responsabilidades” daqueles que dependem de medidas de assistência, previdência, segurança ou repressão (Ianni, 2004, p. 113).
Ianni denota que “a mesma sociedade que fabrica a prosperidade econômica fabrica as desigualdades que constituem a questão social” (2004, p. 110). Tal afirmativa nos remete aos atravessamentos sociais expressos pelas condicionantes de classe, raça e gênero, que impactam na dinâmica de vida dos sujeitos sociais. O autor explica que, uma ideia é a transformação da questão social em problema de violência, “daí a resposta óbvia: segurança e repressão” (Ianni, 2004, p. 112), expresso nos dados sobre mortes, acesso à saúde e educação, encarceramento, ausência de saneamento básico e outros, fruto dos resquícios e sequelas de uma formação social brasileira que tem a escravidão, o racismo estrutural e a exploração da população pobre trabalhadora. Os dados apresentados evidenciam uma cultura de precarização da vida dos segmentos historicamente ‘sufocados’ pela elite.
Diante de uma nação constituída com base na escravização negra por cerca de 400 anos, com amarras de subalternização pelos processos de expropriação de riquezas e exploração da classe trabalhadora, temos elementos que classificaram negativamente a realidade social desses segmentos, tal como expressos nos dados a seguir. Segundo o Boletim Saúde da População negra (IEPS, 2024) entre os anos de 2012 e 2022, cerca de 150 mil homens negros (pretos e pardos) foram mortos por arma de fogo, segundo o estudo, esse número é quatro vezes maior do que de homens brancos inseridos no mesmo período e circunstâncias. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024 informa que em 2023, 69,1% dos encarcerados eram negros, seguidos por 29,7% de brancos. Para amarelos e indígenas os percentuais foram, respectivamente, de 1% e 0,2%. No que tange a letalidade policial o Anuário aponta que 6.393 vítimas pessoas foram mortas em intervenções policiais no país em 2023, o equivalente a 17 mortes por dia, sendo as vítimas 76,9% negras, 50,2 % com idade entre 12 e 29 anos, e 91,4% do sexo masculino.
O Relatório Anual Socioeconômico da Mulher (2024) divulgado pelo Ministério das Mulheres aponta que sobre a população carcerária feminina, as mulheres pretas e pardas também aparecem como maioria em detrimento das mulheres brancas. Das 45.259 mulheres detentas, um total de 66,9% eram mulheres negras, este registro demonstra que mais da metade era composta por pretas e pardas.
O Censo 2022 realizado pelo IBGE apresenta que os números de analfabetismo de pretos (10,1%) e pardos (8,8%) são mais do dobro da taxa dos brancos (4,3%). O dado dialoga com um estudo realizado pelo Observatório da Branquitude através do Boletim “A cor da estrutura escolar: diferenças entre escolas brancas e negras” (2024) que evidencia que escolas com maioria dos estudantes negros, há uma infraestrutura mais precarizadas que escolas com perfil mais branco. As escolas com percentual maior de alunos negros possuem diferença discrepantes na ausência de espaços como bibliotecas, salas de informática e quadra esportiva, enquanto em escolas majoritariamente brancas 74,69% possuem laboratório de informática, nas escolas com percentual maior de pessoas negras apenas 46,90% possuem acesso a este tipo de estrutura.
Um estudo divulgado pelo Jornal O Globo[13] (2024) relata que um estudo do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo identificou “que favelas e bairros periféricos podem registrar variações térmicas de até 10ºC acima da média de regiões mais ricas e urbanizadas”. Estudiosos apontam as favelas como “ilhas do calor” condição inerente ao contexto de racismo ambiental posto a esses territórios, tendo as marcas da poluição atmosférica local agudizadas devido a falta de arborização, saneamento básico e a concentração desorganizada da infraestrutura irregular via implantação de concreto nas ruas, desmatamento e queimadas.
O Centro de Estudo de Segurança e Cidadania (Cesec) por meio do relatório “Saúde na linha de tiro: impactos da guerra às drogas sobre a saúde no Rio de Janeiro” (Lemgruber et al., 2023) apresenta que os moradores de favelas são mais expostos a desenvolverem depressão e ansiedade devido a violência dos tiroteios intensos. O mesmo estudo alude que moradores de favelas e periferias apresentam 73% maior probabilidade de apresentar insônia e 42% de hipertensão arterial.
No que tange ao mercado de trabalho e distribuição de renda, o documento Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil (IBGE, 2022) aponta dados relevantes acerca das desigualdades por cor/raça. Somente 14,6% de pessoas em cargos gerenciais de mais alta renda eram pretas ou pardas, sendo 84,4% brancas; o rendimento médio domiciliar per capita mensal da população preta e parda foi de R$ 956 e R$945 respectivamente, sendo a branca de R$ 1.866, quase o dobro que a população negra.
O Instituto Data Popular realizou uma pesquisa[14] em 2015, na qual consultou 3.050 pessoas de 150 cidades do país, tendo por objetivo fazer uma análise acerca do preconceito e estigma existente com pessoas residentes de favelas. Os dados levantados apresentaram que: 47% não contratariam uma pessoa que morasse em favelas para trabalhar em suas residências; 69% dizem ter medo quando passam em frente a favelas; e 51% relatam que as palavras que vem em suas mentes ao se referirem a favelas é “droga” e “violência”.
Como sabido, favelas e periferias possuem dimensões territoriais por vezes maiores que grandes centros urbanos de investimento, os dados evidenciam que há um projeto de subalternização e reprodução precarizada da vida da população negra, pobre e de favelas.
Nesse processo de reverberar o passado no presente, o que se observa é que as desigualdades históricas persistem de maneiras complexas e multifacetadas na sociedade contemporânea. As estruturas de poder e privilégio estabelecidas ao longo da história continuam a moldar as dinâmicas sociais, econômicas e políticas atuais, impactando especialmente os sujeitos pobres de favelas e a população negra.
Considerações finais
Neste ensaio buscamos desenvolver uma análise crítica sobre as bases que estruturam as desigualdades raciais no Brasil, que pode ser demonstrada em indicadores sociodemográficos, sobretudo quando olhamos para as favelas nos centros urbanos. Ou seja, é preciso ir além da mera constatação e buscar uma perspectiva teórico- metodológica que não seja apenas contemplativa, mas permita aprofundar reflexões em direção a mudanças sociais mais profundas.
A favela concretiza um conjunto de contradições materializada nos piores indicadores sociais urbanos, mas também na resistência da população negra que insiste em fazer a vida acontecer a despeito do projeto de terror e morte que o Estado brasileiro historicamente pratica contra as populações subalternizada.
Neste sentido, é preciso problematizar ideias da “favela que vence” dentro do capitalismo, quando para a manutenção dos privilégios capitalista a existência de favelas nos moldes da precariedade da vida é uma condição inegociável para este sistema, ao tempo que é também nesta realidade concreta que residem as insubordinações com possibilidades de mudanças profundas.
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[1]Artigo recebido em 13/02/2025. Primeira Avaliação em 08/03/2025. Segunda Avaliação em 15/03/2025. Aprovado em 23/03/2025. Publicado em 09/04/2025. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v23i50.66597
[2]Mestrando em Política Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói - Brasil.
E-mail: renansilvagomes@id.uff.br. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4168715886704362.
[3]Doutora em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro - Brasil. Pesquisadora em Saúde Pública da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/FIOCRUZ), Rio de Janeiro - Brasil. Professora da Escola de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense (UFF). E-mail: leticiabatistas@gmail.com. Lattes: http://lattes.cnpq.br/8106944295332080.
[4]Doutor em Saúde Pública pelo Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA), Bahia - Brasil. Docente do Instituto Multidisciplinar de Reabilitação e Saúde da Universidade Federal da Bahia (IMRS/UFBA). E-mail: marvinribeiro@yahoo.com. Lattes: https://lattes.cnpq.br/0452511108936218.
[5] Como aponta Valladares (2000, p. 7) os ex-combatentes queriam “pressionar o Ministério da Guerra a lhes pagar os soldos devidos”.
[6] Foram expoentes da economia clássica, dentre outros, Adam Smith e David Ricardo. Ingleses, situados no fim do século XVIII e início do século XIX, no bojo da Revolução Industrial, os “clássicos” defendiam a liberdade econômica como sistema que garante a “multiplicação das riquezas das nações”.
[7] “Se fosse necessário dar uma definição, a mais breve possível do imperialismo, dever-se-ia dizer que o imperialismo é a fase monopolista do capitalismo. Essa definição compreenderia o principal, pois, por um lado, o capital financeiro é o capital bancário de alguns grandes bancos monopolistas fundido com o capital das associações monopolistas de industriais, e, por outro lado, a partilha do mundo é a transição da política colonial que se estende sem obstáculos às regiões ainda não apropriadas por nenhuma potência capitalista para a política colonial de posse monopolista dos territórios do globo já inteiramente repartido.” (Lenin, 2011, p. 217).
[8] Cabe aqui uma referência a escravização dos indígenas no início do processo de colonização, tal ação acarretou a dizimação, interiorização e isolamento das comunidades, e a tentativa forçada de destituição de uma identidade dos povos originários via inserção cultural do homem branco europeu, dando-se principalmente pela religião.
[9] Tal legislação (Lei nº 581 de 04 de setembro de 1850), é fruto da pressão econômica da Inglaterra imposta ao Brasil, tendo como objetivo a proibição da importação massiva de africanos escravizados. É um marco histórico pois contribui gradualmente no fim do comércio escravocrata, contudo, a escravidão fora mantida até a Lei Áurea em 1888.
[10] Entrevista cedida ao Programa ‘Provoca’ apresentado por Antônio Abujamra em maio de 2024. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=_7IJ6Y-1dy8
[11] A máscara era feita com folhas de flandres, que é um material laminado e de alta resistência. Usada no período escravocrata com o intuito de evitar que os escravizados fizessem ingestão de alimentos das plantações, escondessem pepitas de ouros na boca, bem como para o consumo de terra ou venenos, método comum de suicídio.
[12] Da tradução do Inglês para o Português seria “rosto negro”, uma prática na qual pinta-se a pele com tinta preta, tal ação comumente é usada como entretenimento, ridicularizando pessoas negras. Classificado como racismo recreativo: ofensa racial disfarçada de piada.
[13] Para mais acesse: https://oglobo.globo.com/um-so-planeta/noticia/2024/05/23/racismo-ambiental-favelas-e-periferias-registram-temperaturas-10o-mais-altas-do-que-bairros-de-elite.ghtml
[14] Pesquisa disponível em: https://memoria.ebc.com.br/noticias/2015/02/moradores-do-asfalto-tem-visao-preconceituosa-em-relacao-favelas