V.23, nº 51 - 2025 (maio-agosto) ISSN: 1808-799 X
MARXISMO, ARTE E EDUCAÇÃO: UMA APRESENTAÇÃO1
Maria Amélia Dalvi2 Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva3
[...]
Outrora viajei países imaginários, fáceis de habitar,
ilhas sem problemas, não obstante exaustivas e convocando ao suicídio.
Meus amigos foram às ilhas. Ilhas perdem o homem. Entretanto alguns se salvaram e
trouxeram a notícia de que o mundo, o grande mundo está crescendo todos os dias,
entre o fogo e o amor. Então, meu coração também pode crescer.
Entre o amor e o fogo, entre a vida e o fogo,
meu coração cresce dez metros e explode. – Ó vida futura! nós te criaremos.
[...]
(Carlos Drummond de Andrade, em “Mundo Grande”)
1 Recebido em 31/07/2025. Aprovado pelas editoras em 02/08/2025. Publicado em 06/08/2025 DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v23i51. 68763
2 Doutora em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) - Brasil, com estágio pós- doutoral em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) - Brasil. Professora da Universidade Federal do Espírito Santo. Coordenadora do grupo de pesquisa Literatura e Educação. Email: maria.dalvi@ufes.br. Lattes: http://lattes.cnpq.br/9399371418356916.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8729-2338.
3 Doutora em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) - Brasil. Professora da Universidade do Estado de Santa Catarina, Grupo de Pesquisa Arte e Formação nos Processos Político Contemporâneos. Email Cristinaudesc@gmail.com.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5794119392714925. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1571-9176.
O Número Temático n. 51 da Revista Trabalho Necessário, intitulado “Marxismo, Arte e Educação”, parte do entendimento de que a arte, como experiência estética e concreta, constitui a formação humana que vise à omnilateralidade, o que não se mostra possível, nas condições históricas postas, ignorando-se, de um lado, a existência de relações sociais em que o antagonismo de classe é inequívoco; e, de outro, o fato de que a produção artística procede de alguém e se dirige para alguém, ao mesmo tempo em que supera origem e orientação/destinação singulares.
Conforme Vázquez (1978, p. 264 – grifos nossos), a arte faz-se duplamente social: “[...] na medida em que, sendo uma criação única, individual e irrepetível, é a criação de um indivíduo socialmente determinado; e na medida em que a obra de arte não só satisfaz a necessidade de expressão do seu criador, mas também a de outros”. Tal necessidade, por sua vez, os sujeitos em relação no processo de produção e apropriação da obra de arte só podem satisfazer quando penetram o mundo criado pelo artista, que não é o mesmo e tampouco é inteiramente outro que não o previamente existente, compartilhando-o.
À essa necessidade articulada de quem produz e de quem se apropria desse mundo criado pela arte – mundo que é, ao mesmo tempo, o mesmo e um outro que não o previamente existente – Candido (1995), por exemplo, denominou como um direito incompressível, ou seja, que não pode ser suprimido, sob pena de mutilação da humanidade do ser humano. Longe de uma posição idealista que veja na arte tão- somente um dispositivo técnico de elevação humana – como como a reflexão de Candido (1995), por exemplo, costuma ser tomada para justificar, entre outros, a permanência da literatura na educação escolar –, é importante lembrar a posição de Marx e Engels (2002), em A ideologia alemã.
Considerando as contradições forjadas pelo conflito entre as forças produtivas e as relações sociais de produção, Marx e Engels (2002) afirmaram que o esteticismo da classe burguesa e o ascetismo da sociedade capitalista compunham faces de uma mesma moeda. Isso porque, na concepção dos autores, a realidade capitalista seria hostil à plenitude do desenvolvimento da capacidade humana de criar; e, embora esse conflito não impeça ou interdite a criação literária e artística, ele teria como resultado a divisão do trabalho: “a atividade intelectual e a atividade material – o gozo e o trabalho, a produção e o consumo – acabam sendo destinados a indivíduos diferentes” (Marx; Engels, 2002, p. 27).
Já nos Manuscritos Econômico-Filosóficos, Marx (2004) entendia que o processo de humanização, compreendido como objetivo vital do ser humano para que este se desenvolva multidimensionalmente, se faz no e pelo trabalho, e assim o é porque o próprio trabalho é também um movimento estético. De acordo com o autor, tal como a razão não deve ser reduzida à esfera das ideias (sob o risco de se tornar uma mera abstração lógica e/ou uma ideologia), a sensibilidade não deve ser dada como um fenômeno desprovido de materialidade. Assim, ao apreender como sentido humano o elemento da expressão vital do pensamento, isto é, a linguagem, Marx (2004) indica que os sentidos e o pensamento nascem e se enriquecem no processo de humanização da natureza por meio do trabalho:
O homem apropria-se do seu ser universal de uma maneira universal, portanto, como homem total. Todas as suas relações humanas com o mundo, isto é, ver, ouvir, cheirar, ter paladar, tato, pensar, olhar, sentir, querer, agir, amar, em suma, todos os órgãos da sua individualidade, que são imediatos na sua forma enquanto órgãos comuns, são, na sua relação objetiva, ou seu comportamento diante do objeto, a apropriação desse objeto. A apropriação da realidade humana, a maneira como esses órgãos se comportam diante do objeto, constitui a manifestação da realidade humana (Marx, 2004, p. 108 – grifos nossos).
O trabalho alienado, portanto, mutila a humanidade do homem, interdita as possibilidades sensíveis; do mesmo modo, a interdição da plena formação sensível reitera um trabalho infenso ao movimento estético. Depreende-se, pois, do que foi pontuado até o momento a importância da educação na formação dos sentidos humanos, cujo desenvolvimento não é concebível sem a práxis. Em outras palavras: se a produção artística exige uma sensibilidade estética correspondente, um sentido que se tornou historicamente propriamente humano, aponta, portanto, na direção de um mundo que é este, mas que não o é como simples representação, senão como possibilidade de um mundo-outro, no qual o não trabalho não-alienado é um desiderato. Noutras palavras, exige sensibilidade e sentidos que se diferenciem e superem a percepção não-específica da obra de arte. Conforme Mészáros (2006, p. 182), “a tarefa de emancipação de todos os sentidos e atributos humanos, em termos filosóficos, é em primeiro lugar uma reabilitação dos sentidos e seu resgate da posição inferior atribuída a eles pela distorção idealista. Isso pode ser feito porque eles não são apenas sentidos, mas sentidos humanos”.
Por essa razão, diversas pedagogias socialistas, desde o séc. XIX, entre erros, limites e acertos, vêm defendendo que o processo educativo orientando por e para os interesses dos trabalhadores deve esforçar-se por garantir, no bojo de um projeto de educação integral, a articulação entre arte, ciência, filosofia e trabalho, em uma perspectiva que vise à superação da fragmentação e da alienação. Coerentemente com essa perspectiva, N’O Capital, de Karl Marx, há diversas menções a obras literárias e personagens ficcionais, evidenciando a dimensão expressiva da atividade teórico-formativa de nossa classe.
Em face de tudo o que foi exposto, o número temático “Marxismo, Arte e Educação”, originalmente pensado como parte do número 51 da Revista Trabalho Necessário, em articulação com o Grupo de Trabalho da Associação Nacional de Pós- Graduação e Pesquisa em Educação (Anped) intitulado “Trabalho e Educação” e com os grupos de pesquisa que o constituem, visou a receber contribuições de pesquisadores brasileiros e estrangeiros dedicados a essa articulação tríplice. A demanda superou nossas expectativas iniciais, de modo que se fez necessário, para o melhor andamento dos trabalhos, a subdivisão em dois números. Desse modo, o dossiê foi desdobrado nos números 51 (maio-ago) e 52 (set-dez) da Revista. Para a capa do primeiro deles, temos a alegria de contar com a cessão da imagem de um bordado da professora Olinda Evangelista, da Universidade Federal de Santa Catarina, nomeado como “O livro vermelho, 2025, bordado sobre algodão”, que abre para os leitores a porta de entrada nas reflexões que passamos a expor brevemente, na sequência.
Nosso homenageado é o paraibano Jackson do Pandeiro, considerado como o Rei do Ritmo da Música Popular Brasileira (MPB). Para isto, Deribaldo Santos escreveu um texto de caráter teórico, bibliográfico e documental, intitulado Jackson do Pandeiro: traços de uma trajetória. Embasado na “Grande Estética” de Georg Lukács (1966), analisa a relação que o cotidiano mantém com a produção musical de Jackson do Pandeiro. Recorta o período que vai do nascimento do artista até a sua ascensão musical na revista carnavalesca “A Pisada é Essa”, da rádio Jornal do Commercio, na cidade pernambucana de Recife, considerando o prazo que vai de 1919 até metade da década de 1950.
Na seção Texto Clássico reproduzimos A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica, de Walter Benjamin e contamos com os comentários de
Daniel Tiriba no texto A estetização da política a politização da arte: notas sobre “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”, de Walter Benjamin. O autor indica que a primeira versão do ensaio completa, em 2025, 90 anos, e que suas quatro versões foram escritas entre os anos de 1935 e 1939, durante o auge do fascismo na Europa. Para ele, na atualidade, continuam vivas suas análises sobre as transformações da obra de arte, tendo em conta a evolução de meios técnicos de sua produção e reprodução, o que favorece a sua mercantilização, e ao mesmo tempo, em certa medida, sua apropriação e ressignificação pela classe trabalhadora. Ressalta também a questão da internet, da inteligência artificial e das Big Techs
Na seção Número Temático, são diversas as temáticas e abordagens. No artigo Revolução Cultural, Educação e Arte, Zoia Prestes, Vitor Diego Rodrigues e Anna Cecília Prestes Costa analisam ideias de Lenin sobre a Revolução Cultural na Rússia após a Revolução Socialista de 1917. Os autores/as destacam as três tarefas principais voltadas para elevar o nível cultural da população do país que era, em sua maioria, analfabeta. Com base em reflexões de Marx, Lunatcharski, Zak, Frid, Gramsci entre outros, discutem a importância da cultura para a educação e a consolidação da nova ordem social. Apresentam a experiência dos aguit-trens [trens de agitação] como ferramenta fundamental na difusão de ideias socialistas e de produção artística e cultural, tendo em vista o combate ao analfabetismo.
Elogio marxista à estética e à arte é de autoria de Sandra Soares Della Fonte. Sem desmerecer ou ignorar controvérsias existentes entre intelectuais marxistas, o artigo sugere, como uma das principais convergências dessa tradição, a defesa de que o desenvolvimento da dimensão estética e o surgimento da arte testemunham um enriquecimento da racionalidade humana, por mais contraditório que seja, considerando seu vínculo com a divisão entre trabalho manual e intelectual. Para tanto, recorre aos escritos de Karl Marx e Friedrich Engels, assim como aos de alguns eminentes marxistas que se dedicaram à pesquisa na área.
A criatividade como trabalho produtivo após a reestruturação produtiva do capital nos anos de 1970, de Isabela Luiza Molin de Siqueira, Ghael Henrique Leite e Geraldo Augusto Pinto, realiza uma análise teórica sobre como as atividades de trabalho ligadas à produção de bens e serviços simbólicos foram progressivamente mercantilizadas, até se estruturarem como um setor que mobiliza uma ampla diversidade de profissionais, com destaque ao contexto da reestruturação capitalista
pós-1970. A partir de uma abordagem histórico-crítica, discute-se, por meio de uma revisão bibliográfica, como a economia criativa é uma expressão da mercantilização da cultura, que incorporou a criatividade à lógica da acumulação capitalista. Analisa- se a relação entre estética e trabalho, evidenciando as contradições desse processo e suas implicações na formação da subjetividade.
O artigo O identitarismo, neoliberalismo e indústria cultural na luta antirracista nos EUA é de autoria de Vladimir Miguel Rodrigues. Tem como objetivo identificar os limites das políticas de identidade realizadas nos Estados Unidos a partir da década de 1960, e suas repercussões para a população negra nas esferas econômica, política e cultural. Por meio de uma abordagem materialista-dialética lastreada em Haider (2019), Ture e Hamilton (2021), são apontadas as contradições dessas políticas perante a realidade material dessa população.
Alexandre Irigiyen Vander Velden brinda-nos com o texto Análise cultural materialista: arte, cultura e determinação em Marx, Engels, Lukács e Williams. Expõe criticamente as contribuições de autores marxistas no campo da estética e da cultura, visitando conceitos e proposições para uma leitura cultural materialista da sociedade. Para isso, parte de Karl Marx e Friedrich Engels, retomando como esses compreendem as “determinações” sócio-históricas e suas relações com a cultura. Em seguida, observa as elaborações de György Lukács, em seu itinerário da “teoria do reflexo” às “refigurações” de sua Estética. Por fim, visita em Raymond Williams a cultura e a arte como “prática”, bem como a proposição cultural materialista denominada “estrutura de sentimento”.
Em Uma análise das categorias marxianas História e Ideologia na Sociologia da Arte de Arnold Hauser, Érica Zavanella Navarro e Arthur Guilherme Monzelli indicam como as categorias marxianas história e ideologia foram apropriadas pela sociologia da arte hauseriana. Assim, o problema de pesquisa se expressa nesta questão: a sociologia da arte de Arnold Hauser oferece contribuições para a crítica da preponderância do subjetivismo nas produções artísticas atuais? Para responder tal pergunta partem da hipótese de que a sociologia hauseriana permite a análise do desenvolvimento histórico das produções artísticas enquanto resultado do trabalho humano coletivo, carregando em si a objetivação da subjetividade humana.
Fotografia como arte e como fonte de pesquisa: uma introdução ao tema. Para elas,
o fazer historiográfico, como o de todas as ciências, é um constante apelo a todo conhecimento acumulado, às evidências postas à luz da crítica das categorias e de conceitos que ordenam o mundo do conhecimento. Indicam que, nesta segunda década do século XXI, a fotografia torna-se protagonista, tantas são as informações trazidas pelas artes e por toda manipulação digital das imagens visuais e sonoras. Organizam o texto em três partes: primeiro, o objeto fotográfico, a memória e a verdade; depois, a fotografia como arte; a seguir, a fotografia como fonte de pesquisa e suas considerações finais.
Repensando as apresentações artísticas na formação estética-artística em oficinas de atividades circenses, Gláucia Andreza Kronbauer, Cristina Andrade Filus, Elizandra Garcia da Silva buscam analisar, por meio de constructo teórico calcado na pedagogia histórico-crítica e na psicologia histórico-cultural, as experiências do projeto de extensão Circo em Contextos, que culminou numa oficina em que crianças e adolescentes do projeto ensinaram circo a seus familiares. Problematizamos apresentações artísticas como forma de expor os resultados dos aprendizados em práticas corporais, em especial a dança e o circo.
Em O Teatro do Oprimido de Boal e o “Teatro Dialético” de Brecht, Artur Bispo dos Santos Neto e José Jânio Câmelo Canel tem como propósito perscrutar a relação de interseção existente entre a produção de Augusto Boal e de Bertolt Brecht. Elucidam, primeiramente, a peculiaridade do Sistema Trágico Coercitivo aristotélico e, em seguida buscam entender, pela mediação das assertivas expressas no Teatro do Oprimido, como Boal representa a continuidade da crítica desenvolvida por Bertolt Brecht ao conceito de catarse. Para abordar as referidas categorias, recorrem às obras dos referidos dramaturgos e de intérpretes como Jameson (2007), Lunn (1986), Miranda (2011), Zanetti (2015).
Preceitos para o ensino das artes visuais na educação básica fundamentado na Pedagogia Histórico-Crítica é um artigo de autoria de Isadora Gonçalves de Azevedo. Diz respeito a resultados da pesquisa de doutorado desenvolvida pela autora entre os anos de 2020 a 2024 na Universidade do Estado de Santa Catarina, sob a orientação da professora doutora Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva. O trabalho introduz preceitos sobre escola e educação oriundos da Pedagogia Histórico- Crítica, estreitando o olhar para o ensino de artes visuais na educação básica. Por
meio da análise de teses e dissertações, apontam avanços e limites nas produções acadêmicas em torno do referido tema.
Centros de Referência das Juventudes e perspectivas de formação humana é de autoria de Emily da Silva Dias e Priscila Monteiro Chaves. Trata-se de uma apreciação do sentido educativo, pela dimensão da formação estética, dos Centros de Referência das Juventudes, política pública destinada aos jovens trabalhadores, moradores das periferias capixabas. Tomam como principal objeto de apreciação e debate o documento Metodologia dos Centros de Referência das juventudes do governo do estado do Espírito Santo (2022). Junto a isso, apresentam uma breve síntese de contribuições do marxismo, sobretudo a partir de Marx, Lênin, Lukács e Gramsci, à função da arte na luta de classes e na formação humana omnilateral.
Jaqueline Pereira Ventura e Francisco Gilson Rodrigues Oliveira comentam o ensaio fotográfico de Sonia Rummert, intitulado Por Guaranis Kaiowa, Kaingangs, Makuxis, Terenas, Tikunas. Com as imagens reunidas aqui, inspiradas na tragédia das queimadas das terras indígenas, a fotógrafa e professora nos presenteiam com um grito de angústia do humano que teima em nos unir. A escolha da paleta de cores, que flutua febrilmente entre os sóbrios e intensos tons e matizes do vermelho e do branco, com rupturas vigorosamente marcadas, quase sempre, pelas linhas do horizonte, e pitadas de amarelo solar aqui e acolá, anunciam, com suas cores quentes e abrasivas, a asfixiante sensação de ambiente traumatizado pelo ardor das chamas.
Brasil: do Bye Bye ao hic et nunc Ainda Estou Aqui - Notas atualizadas sobre o negócio cinema e a educação estética, é um ensaio de Ronaldo Rosas Reis. Partindo do exame das categorias que se encontram engendradas historicamente na totalidade das relações sociais de produção do negócio cinema, o texto se debruça conclusivamente sobre a importância da educação estética como meio de apreender o valor artístico de “obras que realmente importam”, como o filme “Bye bye Brasil”, de Cacá Diegues, e “Ainda estou aqui”, de Walter Salles.
Gregório Albuquerque apresenta, na Seção Ensaio, o texto Invisibilidade dos trabalhadores e sua representação no cinema: “Vamos roubar um banco?”. O ensaio tem como objetivo apresentar a partir das representações cinematográficas, os trabalhadores invisibilizados socialmente, culturalmente e politicamente. São trabalhadores que possuem sua representação em filmes como uma possibilidade
plano de “roubar um banco sem ser visto”. Através de uma seleção cinematográfica são trazidos à baila filmes que permitem a discussão dessa invisibilidade, não só no cinema, mas na sociedade amplamente.
Em Resenha redigida em italiano, Antonino Infranca analisa o livro La filosofia di Marx, de autoria de Giovanni Gentile, publicado em 1899. Para Infranca, quinze anos haviam se passado desde a publicação do livro, quando Lenin reconheceu o livro de Gentile como tendo mérito superior a muitas outras obras publicadas na Europa sobre o pensamento de Marx. Comparado a todos os socialistas kantianos e de tendência positivista típicos da Segunda Internacional, como Friedrich Lange ou Karl Kautsky, Gentile conseguiu redescobrir as raízes hegelianas do pensamento de Marx, o que atraiu a atenção de Lenin. Por causa dessa busca compartilhada pelas raízes hegelianas no pensamento de Marx, Lenin apreciou as polêmicas antikantianas e antipositivistas de Gentile.
Na Seção Entrevista, a professora Elizandra Garcia da Silva conversa com Kassia Borges Karajá, do povo Karajá, margeado pelo Rio Araguaia e também do povo Huni Kuin, na foz do Jordão. Ela é artista visual, pesquisadora, professora e curadora. O trabalho de Kássia tem expressividade nacional, em salões e museus como o CCBB (Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e Belo Horizonte), Pinacoteca e MASP (São Paulo), e também internacionalmente, como a Haus der Kunst (Alemanha), Museum Tinguely (Suíça), Bienal de Veneza (Itália), Centre Tignous D’art Contemporain (França), dentre outros.
Na Seção Teses e Dissertações, apresentamos O cinema documental de Sara Gómez à luz de uma análise feminista, uma dissertação de mestrado de Renata Masini Hein, na qual a pesquisadora se debruça sobre todos os curtas e médias- metragens documentais realizados pela cineasta cubana Sara Gómez (1942-1974), a qual participou da construção da linguagem do documentário revolucionário cubano e pertenceu ao movimento estético-político Nuevo Cine Latinoamericano. Defende que, mesmo que à margem da historiografia consagrada, a diretora desenvolveu um pensamento próprio de cinema. Toma a película Mi aporte (1972) como estudo de caso, de modo a compreender de que maneira gênero, raça e classe social formam um todo em sua obra. Já na dissertação de mestrado intitulada O cinema em "a peculiaridade do estético" de György Lukács, João Brum tem como objetivo discutir as categorias estéticas da arte a partir da obra A Peculiaridade Do Estético,
do filósofo húngaro György Lukács, assim como analisar o caso específico do cinema e explicitar as categorias dessa forma particular de arte. Originalmente publicada em 1963, mas tendo sua tradução para o português realizada apenas em 2023 - ainda parcialmente, visto que apenas o primeiro volume dos quatro totais foi publicado no Brasil até o momento - tal obra possui uma riqueza inestimável pois contribui no debate da filosofia da arte, traçando um panorama histórico-crítico com a tradição estética prévia, desde Aristóteles até Hegel, dentre muitos outros. Tendo como base o materialismo histórico-dialético, a partir da incontornável ruptura de Marx na filosofia, Lukács busca responder: “O que é, afinal, a arte?”.
A seção “Outras Temáticas” é composta de cinco artigos. O primeiro deles, O conceito de Experiência em John Dewey e Edward Thompson: questões para o debate sobre a Educação de Jovens e Adultos, de autoria de Lícia Cristina Araújo da Hora e Michelle Freitas Teixeira, tem por finalidade levantar questões para a reflexão sobre o conceito de experiência que aparece com frequência no debate do processo de escolarização da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Apresentam a biografia de Jonh Dewey e de Edward Palmer Thompson para em seguida realizar a distinção do conceito de experiência usado por ambos em suas obras; do primeiro, a visão liberal do filósofo estadunidense; do segundo, uma concepção materialista histórica apresentada pelo historiador inglês marxista, compreendida na relação experiência-história-trabalho. Para desenvolvimento do trabalho procedeu-se a análise da revisão de literatura sobre a obra dos autores, assim como recorremos aos respectivos estudiosos de suas obras.
Em um segundo bloco, em A hora tecnológica de trabalho e a defesa coletiva da saúde: diálogos com estudos sindicais docentes, Katia Reis de Souza e André Luis de Oliveira Mendonça problematizam as mudanças ocorridas no trabalho de professores do ensino básico e suas repercussões à saúde, com foco nos estudos sindicais sobre Hora Tecnológica. Realizaram pesquisa documental no âmbito dos sites de sindicatos docentes do Rio de Janeiro e São Paulo, verificando que a Hora Tecnológica se constitui em uma novidade no âmbito das lutas sindicais contra as jornadas extraclasse de natureza tecnológica. Defendem a necessidade de vigilância permanente à saúde docente com a participação de professores e suas organizações.
Na mesma trilha, O trabalho docente no Novo Ensino Médio: entre velhas e novas contradições, os autores Carlos Augusto Lima Ferreira e Erick Wesley
No artigo Avanços ou retrocessos no Novo Ensino Médio? O percurso da Lei
13.415 de 2017 a lei 14.945 de 2024, Ana Gabrieli Godinho e Suely Aparecida Martins têm como objetivo refletir sobre o Novo Ensino Médio e as suas principais mudanças desde a Lei n.º 13.415/2017 a Lei n.º 14.945/2024, bem como ressaltar a importância da reivindicação para um ensino médio de qualidade. É uma pesquisa de cunho documental, centrando-se na análise das legislações que regem a última etapa da Educação Básica, como a Lei n.º 13.415/ 2017, a Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio (2018), a Lei n.º 14.945/2024 e documentos produzidos por movimentos contrários à reforma. Além disso, dialogam com autores do campo crítico da educação que tratam dessa temática.
Fechando a seção, Carla Chagas Ramalho e Nágilla Santa Rosa Cordeiro apresentam O esporte e sua influência na escolha profissional de professoras universitárias de educação física. As autoras analisam a influência do esporte na escolha profissional de docentes de Educação Física, considerando as determinações do modo de produção capitalista e as relações estruturais do sistema sexo/gênero. A pesquisa, baseada no materialismo histórico-dialético, utiliza entrevistas com docentes de uma universidade pública do Norte de Minas Gerais. Demarca-se a apropriação dialética do esporte pelo modo de produção capitalista, o qual reforça a alienação e a divisão sexual do trabalho. Conclui-se que uma abordagem crítica do esporte auxiliará na conscientização de classe e na superação das opressões de gênero.
Na seção Memória e Documentos apresentamos o catálogo O Choro em Linhas. Olinda Evangelista comenta que ele resulta do convite feito pela Casa do Choro do Rio de Janeiro, amadrinhado por Monica Salmaso, a bordadeiras e bordadores para participar do Projeto Choro Timeline, em 2020. Coordenado por
Luciana Rabello e Pedro Aragão, o projeto teve o apoio do BNDES e co-idealização da Benfeitoria e SITAWI Finanças do Bem, e dele participaram 456 benfeitores, entre os quais 74 mulheres e seis homens de 25 cidades brasileiras que ofereceram seus bordados para colaborar na arrecadação de fundos.
Finalizando a apresentação da TN 51, agradecemos o pronto acolhimento de Lia Tiriba, Adriana Barbosa e Jacqueline Botelho para nossa proposta de número temático, bem como o muito capacitado apoio técnico e tecnológico de Lisia Cariello e Lândhor Camello.
Desejamos que “Marxismo, Arte e Educação”, subdividido nos números 51 e 52, contribua para o avanço coletivo de nossa classe – que, portanto, a leitura seja instigante e movimente nossa realidade na direção para a qual apontam todas as reflexões que o constituem.
CANDIDO, Antonio. “O direito à literatura”. In: . Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades; Ouro Sobre Azul, 1995, p. 169-191.
MARX, KARL. Manuscritos econômico-filosóficos. Trad. Jesus Ranieri. São Paulo: Boitempo, 2004.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. Trad. Luís Claudio Costa. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
MÉSZÁROS, István. A teoria da alienação em Marx. Trad. Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo, 2006.
VÁZQUEZ, Adolfo Sanchez. As ideias estéticas de Marx. [s. trad.]. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.