A fabricação do inevitável: retórica e performance nos ritos burocráticos de um Conselho Tutelar no Rio de Janeiro (RJ)

Autores

DOI:

https://doi.org/10.22409/antropolitica2025.v57.i3.a67344

Palavras-chave:

Retórica, Burocracia, Conselho Tutelar, Etnografia de documentos, Proteção social.

Resumo

Como instância singular de mediação entre instituições, modos de vida e normas generalizantes, as experiências e testemunhos de conselheiros tutelares evidenciam, com particular densidade, como a autoridade é performada nos circuitos institucionais, como elemento central da coordenação dos ritos burocráticos. Para tanto, acompanhamos o trabalho da conselheira Ana no “atendimento” ao caso de Carla: encaminhada ao acolhimento institucional na infância por estar em “situação de risco”, reaparece anos depois denunciada por um vizinho como “mãe negligente”, sob a acusação de que suas filhas ficam “largadas pela rua”. Em três cenas etnográficas — visita domiciliar, produção de relatórios e redação do ofício ao Ministério Público — mostramos como rumores, indícios e impressões são convertidos em justificativas plausíveis para medidas emergenciais, como o acolhimento institucional. Argumentamos que a formalidade dos procedimentos se ancora numa calibragem retórica orientada por “urgência”, “risco” e “responsabilidade” — uma expertise em manejar o que chamamos de idioma moral da tutela. Em contextos de precariedade institucional, é a articulação desse idioma em fórmulas retóricas culturalmente sedimentadas que viabiliza condições mínimas de proteção. Integrando observação de campo, etnografia de documentos, o testemunho da conselheira e a análise da retórica aplicada aos processos de tomadas de decisão, propomos um modelo analítico capaz de adensar a compreensão dos dilemas cotidianos enfrentados pelos agentes estatais. Por fim, destacamos como estereótipos simplificam e naturalizam situações complexas, como condições de possibilidade para a coordenação  da ação estatal, ao mesmo tempo em que podem abrir espaço para reimaginar modos de fazer proteção social.

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Biografia do Autor

  • Thiago Pereira Rabelo, Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

    Doutorando pelo Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 

  • Nayara Alves de Aleluia, Universidade Federal do Rio de Janeiro

    Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. 

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Publicado

2025-12-01

Edição

Seção

Dossiê Temático

Como Citar

A fabricação do inevitável: retórica e performance nos ritos burocráticos de um Conselho Tutelar no Rio de Janeiro (RJ). (2025). Antropolítica - Revista Contemporânea De Antropologia, 57(3). https://doi.org/10.22409/antropolitica2025.v57.i3.a67344