Governamentalizando a liberdade e o gênero: pequenas notas genealógicas sobre a reforma psiquiátrica brasileira no seu cotidiano

Autores

DOI:

https://doi.org/10.22409/1984-0292/2025/v37/65973

Palavras-chave:

governamentalidade, reforma psiquiátrica brasileira, liberdade, gênero, sexualidade

Resumo

Este artigo tem como objetivo inicial tomar o conceito de governamentalidade para compreender os modos de gestão presentes nas práticas psi, especialmente as presentes em dispositivos da Reforma Psiquiátrica Brasileira, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Essa análise será empreendida por meio do exame de prontuários que registram os modos cotidianos de condução dos casos que se passam no interior dos CAPS. Considerando a possível existência de distintos modos de governamentalidade, discutiremos seus sentidos, apontando para formas muito singulares de gestão moduladas segundo as divisões de gênero. A partir deste ponto, destacaremos como as divisões de gênero têm sido objetos de intervenção e orientação nos modos de governo por parte das práticas psi ao longo da história. Concluiremos, por fim, com uma retomada da discussão dos dispositivos da sexualidade de modo singular a partir das questões levantadas pela pesquisa.

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Biografia do Autor

  • Arthur Arruda Leal Ferreira, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

    Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1988), mestrado em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1992) e doutorado em Psicologia (Psicologia Clínica) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1999). Realizou pós-doutorado na UNED (Madrid) em 2010 sobre História da Psicologia e na Universidad Javeriana (Bogotá) em 2014 sobre Produção de Subjetividade, sendo apoiado pela CAPES nos dois pós-doutorados. É professor Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro, participando dos programas de Pós-Graduação em Psicologia (UFRJ), Psicologia (UFF) e em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia (HCTE/UFRJ). Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em História, Estudos CTS, atuando principalmente nos seguintes temas: história da psicologia, epistemologia da psicologia, produção de subjetividade, filosofia da psicologia e pragmatismo. Desde 2009 possui bolsa de produtividade junto ao CNPq e a partir de 2015 é Cientista do Nosso Estado. Atualmente compõe as diretorias do Instituto de Psicologia e da Sociedade Brasileira de História da Psicologia.

  • Nina Wettreich Goldbach, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

    Graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Mestranda em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ. Dedica-se especialmente a estudos no campo do gênero e da sexualidade, sob a mirada de seus processos de subjetivação históricos e sociais e suas diversas relações com a norma estabelecida. Para a composição desta perspectiva, dedicou-se e segue dedicando-se aos estudos feministas; a enunciações no campo da teoria queer; ao pensamento dito pós-estruturalista, como nas produções de Michel Foucault, Judith Butler, Paul B. Preciado e Donna Haraway; ao pensamento decolonial, principalmente em sua vertente feminista; e à Psicologia Social Crítica, principalmente apoiada na Esquizoanálise de Gilles Deleuze e Félix Guattari. Durante a graduação participou, enquanto bolsista, em projetos envolvendo História da Psicologia, História da Psiquiatria e Reforma Psiquiátrica, e Psicologia e Produção de Subjetividades. Compôs e organizou grupos de estudos voltados à Epistemologia, História e Filosofia feministas; a cursos ministrados por Foucault; e à noção de monstro no pensamento foucaultiano e pós-foucaultiano, principalmente no que diz respeito às teorias feministas e queer. No campo do gênero, em interface com estudos críticos em relação à História da Psiquiatria, realizou trabalhos acerca da patologização do desvio feminino ao longo da história brasileira. Já no que concerneria à sexualidade, também em diálogo com a História, desenvolveu sua monografia sobre o que denominou como “colonização do prazer”. Para além do enfoque nos campos supracitados, possui experiência e interesse na área de Saúde Mental, tendo atuado com foco infanto-juvenil no NUSAM-IPUB (Núcleo de Políticas Públicas de Saúde Mental) e com foco na atenção à crise no IMPP (Instituto Municipal Philippe Pinel).

  • Iohanna Sanches Grammatikopoulos, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

    Formada em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no Brasil. Integrou projetos de pesquisa no Instituto de Psicologia da UFRJ, focando na luta antimanicomial e na produção de subjetividade nos dispositivos psicológicos. Foi extensiosnista do PROJAD/IPUB e estagiária de psicologia na oncohematologia pediátrica do Hospital Federal dos Servidores do Rio de Janeiro. É graduada em Comunicação Social - Produção Editorial pela UFRJ (2019).

  • Marcus Vinícius do Amaral Gama Santos, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

    Graduado em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2017-2021). Graduando em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2021-). Realizou mestrado com bolsa CAPES em Psicologia pelo Programa de Pós-graduação em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social (PPGP-EICOS) do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IP-UFRJ) com uma dissertação sobre a História do Behaviorismo e a História da Psiquiatria Brasileira propondo uma perspectiva crítica a partir da noção de “Whig History” desenvolvida pelo historiador inglês Herbert Butterfield (1900-1979). É colaborador do Portal História da Psicologia: https://historiadapsicologia.com.br/. Durante a gradução em Psicologia, trabalhou em projetos de pesquisa relacionados principalmente a: História da Psicologia, Produção de Subjetividade, Dispositivos Clínicos e Psicoterapêuticos, Reforma Psiquiátrica Brasileira, Fenomenologia, Cognição Incorporada, Estudos Foucaultianos, e História do Self. Na graduação em Filosofia, centrou seus interesses mais na área de Filosofia Medieval e na intersecção entre Filosofia e Estudos de Gênero. Desde 2023, é Professor Substituto do Departamento de Psicologia Social do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IP-UFRJ), responsável pelas disciplinas de Psicologia Social Básica e Psicologia Social. Mais recentemente, tem se aprofundado nos estudos de gênero e do feminismo e tem desenvolvido pesquisas sobre a obra de Paul Preciado e sobre a história do campo da “Teoria Queer”. Atualmente, desenvolve um trabalho de Conclusão de Curso (TCC) referente à graduação em Filosofia (UFRJ) sobre as noções de “movimento” e “conhecimento” em Tomás de Aquino.

  • Luana Oliveira Clemente, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

    Formada em Psicologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atualmente é mestranda em Psicossociologia pelo EICOS-UFRJ, na linha de Psicossociologia na Saúde, tendo como foco de estudo o conceito psiquiátrico de insight e as controvérsias por ele engendradas nos CAPS. Na graduação, foi bolsista PIBIC pelo projeto de pesquisa: “Uma Curta e Densa História de Transição: a implementação dos CAPS no Rio de Janeiro na perspectiva de suas práticas cotidianas”, assim como somou voluntariamente ao grupo de pesquisa: “Campo terapêutico e produção de subjetividade: O estudo de uma divisão de psicologia aplicada”. Participou do estágio em saúde mental no CAPS Clarice Lispector, através do programa municipal Acadêmico Bolsista, além de atuar como monitora nas disciplinas de História da Psicologia e Tópicos Especiais em Psicologia C; na última, são discutidas as noções de normal e patológico, bem como suas implicações na psicopatologia. Possui interesse nos grandes temas da saúde mental, SUS, Reforma Psiquiátrica e antropologia dos saberes psi.

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Publicado

2025-07-26

Edição

Seção

Dossiê V Colóquio Michel Foucault - a judicialização da vida

Como Citar

Governamentalizando a liberdade e o gênero: pequenas notas genealógicas sobre a reforma psiquiátrica brasileira no seu cotidiano. Fractal: Revista de Psicologia, Rio de Janeiro, Brasil, v. 37, p. Publicado em 27/06/2025, 2025. DOI: 10.22409/1984-0292/2025/v37/65973. Disponível em: https://www.periodicos.uff.br/fractal/article/view/65973. Acesso em: 8 dez. 2025.